Fonte das imagens: brazilwonders.tumblr.com
domingo, 31 de agosto de 2014
Livre
Ser
intransigente e perseverante.
Não
abafar a alma, não sufocar a vida, não esconder Deus, não cultivar o
ressentimento ou elaborar a falsidade, não estrangular a poesia, a sinceridade,
a grandeza. Fugir do medo e da superstição. Teimar. Deixar o sentimento ir tão
longe quanto possível.
Apenas num clima assim livre, crítico e
intransigente é que posso admitir que brote a religião.
Lúcio
Cardoso, in Diários
Humildade
Que a voz do poeta nunca se levante
para ter ressonâncias nas alturas.
Que o canto, das contidas amarguras,
somente seja a gota transbordante.
Que ele, através das solidões escuras
do ser, deslize no preciso instante.
Saia da avena do pastor errante,
sem aplausos buscar de outras criaturas.
Que o canto simples, natural, rebente,
água da fonte límpida, do fundo
da alma, de amor e de humildade cheio.
Que o canto glorificará somente
a origem, quando mais ninguém no mundo
saiba ele de quem foi ou de onde veio.
para ter ressonâncias nas alturas.
Que o canto, das contidas amarguras,
somente seja a gota transbordante.
Que ele, através das solidões escuras
do ser, deslize no preciso instante.
Saia da avena do pastor errante,
sem aplausos buscar de outras criaturas.
Que o canto simples, natural, rebente,
água da fonte límpida, do fundo
da alma, de amor e de humildade cheio.
Que o canto glorificará somente
a origem, quando mais ninguém no mundo
saiba ele de quem foi ou de onde veio.
Mauro
Mota
SILVA - Okinawa (ao vivo) feat. Fernanda Takai
“Já deu a hora
Não me conformo
O mar não é de calma
A calma é um naufrágio
E é tudo um desencontro.”
............................................
A assembleia dos ratos
Ilustração: Gustave Doré
Um gato de
nome Faro-Fino deu de fazer tal destroço na rataria duma casa velha que os
sobreviventes, sem ânimo de sair das tocas, estavam a ponto de morrer de fome.
Tornando-se
muito sério o caso, resolveram reunir-se em assembleia para o estudo da
questão. Aguardaram para isso certa noite em que Faro-Fino andava aos
mios pelo telhado, fazendo sonetos à lua.
– Acho — disse um deles — que o meio de nos
defendermos de Faro-Fino é lhe atarmos um guizo ao pescoço. Assim que ele se
aproxime, o guizo o denuncia e pomo-nos ao fresco a tempo.
Palmas e bravos saudaram a luminosa ideia. O
projeto foi aprovado com delírio. Só votou contra, um rato casmurro, que pediu
a palavra e disse — Está tudo muito direito. Mas quem vai amarrar o guizo
no pescoço de Faro-Fino?
Silêncio geral. Um desculpou-se por não saber
dar nó. Outro, porque não era tolo. Todos, porque não tinham
coragem. E a assembleia dissolveu-se no meio de geral consternação.
Moral da
estória: falar é fácil; fazer é que são elas.
Monteiro Lobato, in Fábulas
Ulisses e as sereias
Ulisses e as sereias (1908), de Herbert James Draper
Nessa
pintura, temos a representação de um episódio do poema grego Odisseia, que conta a guerra de Troia. Depois
de lutar contra os troianos, Ulisses e seus guerreiros voltam para casa. Mas,
nessa viagem, eles têm de enfrentar obstáculos incríveis. Um deles é o assédio
das sereias, que seduzem os homens com seu canto, atraindo-os para a morte no
fundo do mar.
sábado, 30 de agosto de 2014
Paradoxo doloroso
"Um dos paradoxos dolorosos do nosso
tempo reside no fato de serem os estúpidos os que têm a certeza, enquanto os
que possuem imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões."
Bertrand
Russell
Não posso adiar o amor
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas.
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio.
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação.
Não posso adiar o coração.
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas.
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio.
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação.
Não posso adiar o coração.
António
Ramos Rosa
Uma selfie com o velho marinheiro
Toninho Veludo entrou no bar do Carneiro mais
saltitante e exibido que nunca – e ele sempre estava saltitante e exibido, era
sua condição natural. Mostrou a todos a câmara digital nova que acabara de
comprar, das mais modernas. Do nada, sem pedir licença, puxou uma cadeira e
sentou-se à mesa, entre o Velho Marinheiro e Ananias. Colocou um braço sobre o
ombro do nosso Lobo do Mar. E disparou:
- Vou fazer uma selfie com o senhor. Adoro o
senhor. Depois, faço uma selfie com você Ananias. Por fim, farei uma selfie do
nosso grupo…
- Fazer o quê?
- Uma sel-fi-eeee.
- Só não lhe dou uma garrafada na cabeça em respeito
ao seu pai, que morre de vergonha de seus maneirismos. Você vai fazer isso com
gente de sua laia, vagabundo – retrucou nosso Lobo do Mar.
- Nossa! Que agressividade! O senhor sabe o que é
sel-fi-e?
- Não sei nem quero saber. Partindo de você só pode
ser bandalheira.
Ananias resolveu intervir, na tentativa de serenar
os ânimos do Velho Marinheiro:
- Selfie está na moda, é um autorretrato. As
pessoas tiram fotos delas próprias, sozinhas ou acompanhadas, e divulgam pela
internet, nas redes sociais. Não tem nada demais.
- Quer dizer que Veludo quer tirar uma fotografia
me abraçando e ainda mostrar pra todo mundo? E você acha que não tem nada
demais, Ananias? Não me faltava mais nada!
- Todo mundo faz tentou justificar-se o
autorretratista. Em vão.
- Pois fique sabendo de uma coisa, seu Veludo: o
que você faz eu nunca fiz, não faço e jamais farei. Não ouse apertar botão
algum. Tire um retrato com Ananias, pelo visto ele também gosta dessas coisas.
Papo encerrado. Carneiro, mais tarde eu volto, pra pagar a conta.
E lá se foi o
Velho Marinheiro, pisando duro, desconjurando o mundo moderno.
Orlando Silveira, in orlandosilveira1956.blogspot.com.br
Intertextualidade: diálogo entre textos
Por meio de suas obras, os artistas estão sempre dialogando com outros
de sua época ou de épocas passadas, recuperando certos traços de estilo ou de
visão de mundo, para revalorizá-los, criticá-los ou satirizá-los.
Esse processo ocorre também na arte literária, quando um texto dialoga
com outros, citando-os ou fazendo referências a eles. A essa relações entre os
textos dá-se o nome de intertextualidade.
Observe um exemplo de um exemplo comparando os textos abaixo:
Mulher, Irmã, escuta-me: não ames,
Quando a teus pés um homem terno e curvo
jurar amor; chorar pranto de sangue,
Não creias, não, mulher: ele te engana!
as lágrimas são gotas de mentira
E o juramento manto da perfídia.
Quando a teus pés um homem terno e curvo
jurar amor; chorar pranto de sangue,
Não creias, não, mulher: ele te engana!
as lágrimas são gotas de mentira
E o juramento manto da perfídia.
Joaquim Manoel de Macedo (1820-1882)
Teresa, se algum sujeito bancar o
sentimental em cima de você
E te jurar uma paixão do tamanho de um bonde
Se ele chorar
Se ele ajoelhar
Se ele se rasgar todo
Não acredite não Teresa
É lágrima de cinema
É tapeação
Mentira
CAI FORA.
Manuel Bandeira (1886-1968)
Douglas Tufano, in Literatura brasileira e portuguesa
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Manhã de sol com azulejos
Tudo se veste da cor de teu vestido azul
Tudo — menos a dona do vestido:
meus olhos te passeiam nua
pela grama do campo de golfe.
Uma curva e eis-nos diante de meu coração.
Não, amiga, não temas
meu coração;
é apenas um chapéu surrado
que humildemente estendo
para colher um pouco de tua alegria,
de tua graça distraída,
de teu dia.
Tudo — menos a dona do vestido:
meus olhos te passeiam nua
pela grama do campo de golfe.
Uma curva e eis-nos diante de meu coração.
Não, amiga, não temas
meu coração;
é apenas um chapéu surrado
que humildemente estendo
para colher um pouco de tua alegria,
de tua graça distraída,
de teu dia.
Francisco
Alvim
terça-feira, 26 de agosto de 2014
Sonhar
Fotograma da minissérie Capitu, da Globo
"– É
pecado sonhar?
– Não, Capitu.
Nunca foi.
– Então por
que essa divindade nos dá golpes tão fortes de realidade e parte nossos sonhos?
– Divindade não destrói sonhos, Capitu. Somos nós que ficamos esperando,
ao invés de fazer acontecer."
Machado de
Assis, in Dom Casmurro
Um garoto afetado
O
vício de ler tudo o que me caísse nas mãos ocupava o meu tempo livre e quase
todo o das aulas. Podia recitar poemas completos do repertório popular que
nessa altura eram de uso corrente na Colômbia, e os mais belos do Século de
Ouro e do romantismo espanhóis, muitos deles aprendidos nos próprios textos do
colégio. Estes conhecimentos extemporâneos na minha idade exasperavam os
professores, pois cada vez que me faziam na aula qualquer pergunta difícil,
respondia-lhes com uma citação literária ou com alguma ideia livresca que eles
não estavam em condições de avaliar. O padre Mejia disse: ‘É um garoto afetado’,
para não dizer insuportável. Nunca tive que forçar a memória, pois os poemas e
alguns trechos de boa prosa clássica ficavam-me gravados em três ou quatro
releituras. Ganhei do padre prefeito a primeira caneta de tinta permanente que
tive porque lhe recitei sem erros as cinquenta e sete décimas de A vertigem, de Gaspar Núnez de Arce.
Lia
nas aulas, com o livro aberto em cima dos joelhos e com tal descaramento que a
minha impunidade só parecia possível devido à cumplicidade dos professores. A
única coisa que não consegui com as minhas astúcias bem rimadas foi que me
perdoassem a missa diária às sete da manhã. Além de escrever as minhas tolices,
era solista no coro, desenhava caricaturas cômicas, recitava poemas nas sessões
solenes e tantas coisas mais fora de horas e de lugar que ninguém entendia a
que horas estudava. A razão era a mais simples: não estudava.
No meio de tanto dinamismo supérfluo,
ainda não entendo por que razão os professores se interessavam tanto por mim
sem barafustar com a minha má ortografia. Ao contrário da minha mãe, que
escondia do meu pai algumas das minhas cartas para o manter vivo e outras mas
devolvia corrigidas e às vezes com os parabéns por certos progressos
gramaticais e o bom uso das palavras. Mas ao fim de dois anos não houve
melhorias à vista. Hoje o meu problema continua a ser o mesmo: nunca consegui entender
por que se admitem letras mudas ou duas letras diferentes com o mesmo som e
tantas outras normas sem razão.
Gabriel
García Marquez, in Viver para Contá-la
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
Clarice Lispector: sempre atual
“Perguntaram-me
uma vez se eu saberia calcular o Brasil daqui a vinte e cinco anos. Nem daqui a
vinte e cinco minutos, quanto mais vinte e cinco anos. Mas a impressão-desejo é
a de que num futuro não muito remoto talvez compreendamos que os movimentos caóticos
atuais já eram os primeiros passos afinando-se e orquestrando-se para uma
situação econômica mais digna de um homem, de uma mulher, de uma criança. E
isso porque o povo já tem dado mostras de ter maior maturidade política do que
a grande maioria dos políticos, e é quem um dia terminará liderando os líderes.
Daqui a vinte e cinco anos o povo terá falado muito mais.
Mas se não sei prever, posso pelo menos
desejar. Posso intensamente desejar que o problema mais urgente se resolva: o
da fome. Muitíssimo mais depressa, porém, do que em vinte e cinco anos, porque
não há mais tempo de esperar: milhares de homens, mulheres e crianças são
verdadeiros moribundos ambulantes que tecnicamente deviam estar internados em
hospitais para subnutridos. Tal é a miséria, que se justificaria ser decretado
estado de prontidão, como diante de calamidade pública. Só que é pior: a fome é
a nossa endemia, já está fazendo parte orgânica do corpo e da alma. E, na
maioria das vezes, quando se descrevem as características físicas, morais e
mentais de um brasileiro, não se nota que na verdade se estão descrevendo os
sintomas físicos, morais e mentais da fome. Os líderes que tiverem como meta a
solução econômica do problema da comida serão tão abençoados por nós como, em
comparação, o mundo abençoará os que descobrirem a cura do câncer.”
Clarice
Lispector, in Crônicas no Jornal do Brasil (1967)
Seja autêntico!
"Não faças o que os outros fazem,
porque eles o fazem, nem o que os outros não fazem porque eles não fazem."
Fernando
Pessoa
domingo, 24 de agosto de 2014
O grande drama do prazer
“Volta-se
o rico para os prazeres da carne e a maior parte do mundo faz o mesmo. E não
sem acerto, porque todas as coisas agradáveis devem ser tidas como inocentes, e
até que se provem culpadas todas as presunções pendem a seu favor. A vida já é
bastante penosa para que ainda a agravemos com proibições e obstáculos aos seus
deleites; tão arisca se mostra a felicidade que todas as portas por onde ela
queira entrar devem permanecer escancaradas. A carne enfraquece muito
precocemente - e os olhos olham com melancolia para os prazeres de outrora.
Muito rapidamente todas as alegrias perdem a vivacidade - e admiramo-nos de
como pudessem ter-nos interessado tanto. O próprio amor torna-se grotesco logo
que atinge os seus fins. Guardemos o ascetismo para a estação própria - a
velhice.
É este o grande drama do prazer; todas as
coisas agradáveis acabam por amargar; todas as flores murcham quando as
colhemos, e o amor morre tanto mais depressa quanto é mais retribuído. Por isso
o passado parece-nos sempre melhor que o presente; esquecemos os espinhos das
rosas colhidas; saltamos por cima dos insultos e injúrias e demoramo-nos sobre
as vitórias. O presente parece muito mesquinho diante de um passado do qual só
retemos na memória o bom, e diante de um futuro que ainda é sonho. O que alcançamos
nunca nos contenta; ‘olhamos para diante e para trás em procura do que não está
ali’; não somos bastante sábios para amar o presente do mesmo modo que o
amaremos quando se tornar passado. Quando mergulhamos num prazer, o nosso olhar
vai para longe - a felicidade ainda não está alcançada apesar de termos o
deleite nos nossos braços. Que mau demônio nos afeiçoou assim?”
Will
Durant, in Filosofia da Vida
Cultura
"Cultura é o sistema de ideias vivas
que cada época possui. Melhor: o sistema de ideias das quais o tempo
vive."
José
Ortega y Gasset
sábado, 23 de agosto de 2014
Soneto de Contrição
Eu te amo,
Maria, eu te amo tanto
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Que o meu peito me dói como em doença
E quanto mais me seja a dor intensa
Mais cresce na minha alma teu encanto.
Como a criança
que vagueia o canto
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Ante o mistério da amplidão suspensa
Meu coração é um vago de acalanto
Berçando versos de saudade imensa.
Não é maior o
coração que a alma
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…
Nem melhor a presença que a saudade
Só te amar é divino, e sentir calma…
E é uma calma tão feita de humildade
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
Que tão mais te soubesse pertencida
Menos seria eterno em tua vida.
Vinicius de
Moraes
O homem e as coisas
“Quem
conhece o solo e o subsolo da vida, sabe muito bem que um trecho de muro, um
banco, um tapete, um guarda-chuva, são ricos de ideias e de sentimentos, quando
nós também o somos, e que as reflexões de parceria entre os homens e as coisas
compõem um dos mais interessantes fenômenos da terra.”
Machado de Assis,
in Quincas Borba
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
O trágico dilema
“Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é
porque um dos dois é burro.”
Mário
Quintana, in Caderno H
Estremecimento
"O que procuramos na literatura é um
estremecimento na espinha dorsal."
Vladimir
Nabokov
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Fome do corpo; fome do espírito
“Dia entre pescadores. Eles a pescarem
sardinha para a fome orgânica do corpo, e eu a pescar imagens para uma
necessidade igual do espírito. Tisnados de saúde, os homens olham-me; e eu,
amarelo de doença, olho-os também. Certamente que se julgam mais justificados
do que eu, e que o mundo inteiro lhes dá razão. Mas da mesma maneira que eles,
sem que ninguém lhes peça sardinha, se metem às ondas, também eu, sem que
ninguém me peça poesia, me lanço a este mar da criação. Há uma coisa que
nenhuma ideologia pode tirar aos artistas verdadeiros: é a sua consciência de
que são tão fundamentais à vida como o pão. Podem acusá-los de servirem esta ou
aquela classe. Pura calúnia. É o mesmo que dizer que uma flor serve a princesa
que a cheira. O mundo não pode viver sem flores, e por isso elas nascem e
desabrocham. Se olhos menos avisados passam por elas e as não podem ver, a
traição não é delas, mas dos olhos, ou de quem os mantém cegos e incultos.”
Miguel
Torga, in Diário (1943)
Tempo que foge!
Contei
meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que
já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de
jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já
não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde
desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos
tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos
megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como
converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me
convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões
intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e
regimentos internos. Não gosto de assembleias ordinárias em que as organizações
procuram se proteger e perpetuar através de infindáveis detalhes
organizacionais.
Já não tenho tempo para administrar
melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. Não quero
ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde
“tiramos fatos à limpo”. Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário do coral.
Já não tenho tempo para debater vírgulas,
detalhes gramaticais sutis, ou sobre as diferentes traduções da Bíblia. Não
quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das
Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Minha resposta será
curta e delicada: – Gosto, e ponto final! Lembrei-me agora de Mário de Andrade
que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. Meu tempo
tornou-se escasso para debater rótulos.
Já não tenho tempo para ficar dando
explicação aos medianos se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia
do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz da Maria Bethânia; os livros de
Machado de Assis, Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero
viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não
se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge
de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar
humildemente com Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca será perda de tempo.
Soli Deo Gloria.
Ricardo
Gondim
(Sobre a polêmica da autoria desse texto, acesse aqui)
A bailarina gris
A aula de dança, de Edgar Degas
PENDIDA
como de uma corola o tempo de
uma flor, ela treme:
seu rosto de vinho e maçã
flui no nostálgico acento
com que ao vento se curva, uma tênue
figura.
De chuva
é a leveza de seu olhar parado, de espuma
é seu sapato, e seu pé
informado e prudente arma um pássaro triste na sombra.
PENDIDA,
debruçada de si como uma lágrima
a bailarina rompe
o segredo: do outro lado é que se esvai
a rosa, seu sangue
é este espanto de que se forma o corpo
do silêncio.
como de uma corola o tempo de
uma flor, ela treme:
seu rosto de vinho e maçã
flui no nostálgico acento
com que ao vento se curva, uma tênue
figura.
De chuva
é a leveza de seu olhar parado, de espuma
é seu sapato, e seu pé
informado e prudente arma um pássaro triste na sombra.
PENDIDA,
debruçada de si como uma lágrima
a bailarina rompe
o segredo: do outro lado é que se esvai
a rosa, seu sangue
é este espanto de que se forma o corpo
do silêncio.
Walmir
Ayala
terça-feira, 19 de agosto de 2014
Vexame de pensar
“Uma
seita ou um partido político é apenas um eufemismo elegante para poupar um
homem do vexame de pensar.”
Ralph Waldo Emerson
O velho
Da
cidade, correndo à superfície do rio, chagavam os sons graves de um sino de
bronze, oferecido ao mosteiro por um amador de carrilhões de igreja.
O
cocheiro, que estava muito próximo de Nekliudov, e todos os carroceiros, foram
tirando os bonés, cada um por sua vez, e persignaram-se. Um velhote de estatura
baixa, andrajoso, em que Nekliudov não reparara, em princípio, por estar mais
perto da borda que os outros, foi o único que não se persignou, mas, levantando
a cabeça. Olhou para ele. Estava vestido com uma longa peliça, de calças de
pano e de sapatos cambados e remendados. Trazia um saco pendurado nas costas e
na cabeça um boné alto de pele muito surrado.
-
Então tu, velho, não te benzes? – perguntou o cocheiro de Nekliudov, depois de
ter posto novamente o boné. – És capaz de nem ser batizado?
-
Benzer-me? Em nome de quem? – replicou o velho com um ar decidido e provocante,
salientando cada uma das sílabas.
-
De quem? De Deus, com certeza! – respondeu o cocheiro, ironicamente.
-
Pois bem, mostra-mo então! Onde está o teu Deus?
Havia
na expressão do velho algo de tão grave e tão duro que o cocheiro, sentindo que
estava em presença de uma natureza forte, ficou um pouco desconcertado. Todavia,
dissimulou a sua perturbação e, esforçando-se por ter a última palavra, para
não se sentir diminuído perante os outros, respondeu com vivacidade.
-
Onde? Toda a gente sabe: no céu!
-
Já foste lá?
-
Tenha lá ido ou não, toda gente sabe que é preciso rezar a Deus.
-
Nunca ninguém viu Deus; o Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o deu
a conhecer – continuou o velho com a mesma vivacidade, franzindo o sobrolho.
-
Já estou a ver que tu és um pagão, um descrente. Adoras o vazio – disse o
cocheiro estalando o chicote na cintura e ajustando os arreios do cavalo.
Ouviu-se
uma risada.
-
E qual é a tua religião, avô? – perguntou um homem de certa idade que estava
próximo da carroça, na extremidade da barcaça.
-
Não tenho religião porque não creio em ninguém, a não ser em mim próprio -assim
respondeu com rapidez e firmeza.
-
Mas como é que se pode crer em si próprio? – perguntou Nekliudov, por sua vez. –
Podemos nos enganar.
-
Nunca! – replicou o velho, com um movimento de cabeça.
-
Então, porque é que existem tantas religiões diversas?
-
Elas são diversas porque os homens creem nos outros e não em si próprios. Também
eu tive fé nos homens e errei na taiga. Perdi-me de tal forma que já não
esperava sair de lá. E os velhos crentes, e os novos crentes, e os Subootniki,
e os Klysty, e os Poptsy, e os Bezpotovtsy, e os Austriacki, e os Molokanes, e
os Skoptsy, todos exaltam a sua religião como se fossem a única. E todos se
dispersaram como uma matilha de cachorros cegos. Inúmeras são as crenças, mas o
Espírito é apenas um. Ele está em mim, em ti, em nós. Portanto, que cada um creia
no seu próprio espírito e então estaremos todos unidos! Que cada um volte a ser
ele próprio e todos estarão com ele.
O
velho falava muito alto e olhava sem cessar em seu redor como que para ter o
maior número de ouvintes possível.
-
Há muito que tem essa fé? – perguntou Nekliudov.
-
Eu? Há muito. Já vão fazer vinte e três anos que eles me perseguem.
-
Como! Perseguem-te?
-
Sim, tal como perseguiram Cristo, perseguem-me a mim. Perndem-me e levam-me
perante os tribunais e perante os popes – os escribas e os feriseus. Encerraram-me
numa casa de doidos. Mas nada podem contra mim, porque eu sou livre. ‘Como é
que te chamam?’, perguntam eles. Imaginam que eu voudizer-lhes um título
qualquer. Abjurei tudo: nome, domicílio, pátria. Nada tenho. Tornei-me eu
próprio. Como é que me chamo? Um homem! –
‘E que idade tens?’ – ‘Não contei.’ É o que lhes respondo. E, aliás, não se
pode contar, visto que sempre existi e sempre existirei. – ‘E quem são o teu
pai e a tua mãe?’, perguntam eles. ‘Não tenho pai nem mãe, a não ser Deus e a
Terra. O primeiro é meu pai, a outra é minha mãe.’ – ‘E o czar, reconhece-o?’ -‘Porque não o hei de reconhece-lo? Ele é o
seu czar e eu sou o meu czar.’ – ‘Oh! É impossível discutir contigo!’ – ‘Não te
peço que discutas comigo’, respondo eu. E é assim que eles me atormentam.
-
E para onde é que vai agora? – perguntou Nekliudov.
-
Para onde Deus me conduzir. Trabalho e, quando não há trabalho, mendigo –
acrescentou o velho, passeando sobre os seus ouvintes um olhar triunfante. A barcaça
aproximava-se da margem.
Acostou.
Nekliudov puxou pelo porta-moedas e ofereceu dinheiro ao velho, que recusou.
-
Não aceito dinheiro. Só aceito pão.
-
Então, adeus e desculpe-me!
-
Nada há a perdoar. Não me ofendeste. Aliás, não é possível ofenderem-me – disse
o velho voltando a por o saco às costas.
Entretanto
haviam feito sair a tróica e atrelaram-na.
- Porque se ralou a falar-lhe? – perguntou
o cocheiro a Nekliudov, quando este, depois de ter dado uma gorjeta aos
robustos barqueiros, subiu para o carro. – Um vagabundo! Um homem sem préstimo!
Leon
Tolstoi, in Ressurreição
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
Viver o escrito
"Os homens só podem compreender um
livro profundo, depois de terem vivido pelo menos, uma parte daquilo que ele
contém."
Ezra
Pound
domingo, 17 de agosto de 2014
A dança
Não te amo como se fosse rosa de sal,
topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas escuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas escuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
Pablo
Neruda
Nada sobrou
“As pessoas sem imaginação podem ter tido
as mais imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais estranhas... Nada
lhes ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida não basta apenas ser vivida:
também precisa ser sonhada”.
Mário
Quintana, in Caderno H
Uma didática da invenção - IX
O rio que fazia uma volta atrás de nossa
casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.
Manoel
de Barros
sábado, 16 de agosto de 2014
O tempo
"O meu passatempo favorito é deixar
passar o tempo, ter tempo, aproveitar o meu tempo, perder o tempo, viver a
contratempo."
Françoise
Sagan
Vivo
"Um dia, descerrando as pálpebras, e
chorando, pensei: 'vivo'. Então começou a angústia, este sopro de animal
estranho."
Alfonso
Reyes
Risadas descomunais
“Escutando as risadas descomunais de
alguns companheiros de trabalho, que se divertem enchendo a noite de urros,
pergunto a mim mesmo o que é o riso. Bergson definiu-o num pequeno livro
magistral. E eu, sem pretender entrar na sua metafísica, acho apenas que é a
explosão de um ser recôndito e monstruoso, uma pura vitória do ‘outro’ que
irracionalmente nos habita. Não somos nós, não é a consciência que dita aquele
ruído – ao contrário, esquecemos tudo, entregamo-nos a uma noite inesperada e
violenta, transmitindo através desse cascatear absurdo, a voz de alguém que
ordinariamente o espírito domina.”
Lúcio
Cardoso, in Diários
quinta-feira, 14 de agosto de 2014
Linguagem: elemento vivo
"Os escritores mais verdadeiros são
aqueles que veem a linguagem não como um processo linguístico, mas como um
elemento vivo."
Derek
Walcott
A piedade às vezes engana-se
“É que não foram tão poucas como isso as vezes que
vi a piedade enganar-se. Nós, que governamos os homens, aprendemos a
sondar-lhes os corações, para só ao objeto digno de estima dispensarmos a nossa
solicitude. Mais não faço do que negar essa piedade às feridas de exibição que
comovem o coração das mulheres. Assim como também a nego aos moribundos, e além
disso aos mortos. E sei bem porquê.
Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas
suas úlceras. Até chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bálsamos por
causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longínqua unguentos derivados
do ouro, que têm a virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi
assim até descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportável
fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pústulas, como quem
estruma uma terra para dela extrair a flor cor de púrpura. Mostravam
orgulhosamente uns aos outros a sua podridão e gabavam-se das esmolas
recebidas.
Aquele que
mais ganhara comparava-se a si próprio ao sumo sacerdote que expõe o ídolo mais
prendado. Se consentiam em consultar o meu médico, era na esperança de que o
cancro deles o surpreendesse pela pestilência e pelas proporções. Chegavam a
empregar os cotos para conquistar um lugar no mundo. Daí também o aceitarem os
cuidados como uma homenagem e oferecerem os membros a abluções bajuladoras.
Mas, apenas o mal os deixava, descobriam-se sem importância. Já nada
alimentavam que fossem deles próprios, davam-se por inúteis. O único remédio
era ressuscitar de novo essa úlcera que vivia à custa deles. E, uma vez
envoltos de novo no seu mal, gloriosos e vãos, pegavam na escudela, e tornavam
a empreender o caminho das caravanas. Voltavam a espoliar os viajantes em nome
dos seus sórdidos deuses.”
Antoine
de Saint-Exupéry, in Cidadela
Fanart de Peter Quill
Peter Quill, o Senhor das Estrelas. Uma fanart
de meu filho Pablo Einstein Batista para o filme Guardiões da Galáxia, em Photoshop+Wacom.
Haicai
De repente a mosca salta e pousa na
toalha branca. Você a espanta, sem que voe — uma semente negra de mamão.
Dalton
Trevisan, in Dinorá: novos mistérios
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
Nada, em absoluto, vale nada
“Aqui tenho à mesa de cabeceira o último
livro ainda a cheirar à tinta da tipografia. Não há dúvida nenhuma que o
concebi, que o realizei, e que, depois disso, com os magros vinténs que vou
ganhando por estes montes, consegui pô-lo em letra redonda — a forma material
máxima que se pode dar a um escrito. E, contudo, olho esta realidade que eu
tirei do nada, que bem ou mal arranquei de mim, com o mesmo desânimo com que
olho uma teia de aranha. E não é por saber de antemão que o livro vai ser
abocanhado ou ignorado. Não obstante a lei natural que aconselha a que não haja
homem sem homem, é preciso que a santa cegueira do artista lhe dê a força
bastante para, em última análise, ficar só e confiante. Ora eu tenho, como
artista, essa cegueira. O meu desalento vem duma voz negativa que me acompanha
desde o berço e que nas piores horas diz isto: Nada, em absoluto, vale nada.”
Miguel
Torga, in Diário (1936)
A linguagem
“A linguagem disfarça o pensamento. E
principalmente de tal forma que, segundo a forma exterior da roupagem, não é
possível concluir sobre a forma do pensamento disfarçado; porque a forma
exterior da roupagem visa a algo bem diferente do que permite reconhecer a
forma do corpo. Os arranjos tácitos para a compreensão da linguagem quotidiana
são de uma enorme complicação.”
Ludwig
Wittgenstein, in Tratado Lógico-Filosófico
terça-feira, 12 de agosto de 2014
A fraude primitiva e a particular
“Tão
mais opressiva que a convicção implacável do nosso presente estado pecaminoso é
a mais frágil convicção da antiga, eterna justificação da nossa existência
temporal. Só a capacidade de suportar desta segunda convicção, que na sua
pureza abrange completamente a primeira, é a medida da fé.
Muitos consideram que, ao lado da grande
fraude primitiva, existe em cada caso particular uma pequena fraude especial,
encenada em proveito próprio, do mesmo modo como, por exemplo, numa intriga
amorosa, representada no palco, a atriz, além do falso sorriso para o seu
amante, tem ainda outro, particularmente pérfido, dirigido a um espectador
determinado na última fileira da galeria. Isso significa ir longe demais.”
Franz
Kafka
Alguém imprevisto
“O trajeto era interminável. Teria
deixado escapar uma volta na estrada ou a próxima morada seria aquilo mesmo: um
caixão que conduzíamos pelas trevas sem espaço, contanto e recontando os
eventos incontroláveis que nos levaram a transformarmo-nos em alguém
imprevisto. E tão depressa! Tão rapidamente! Tudo fica para trás, a começar por
quem somos, e a certa altura indefinível acabamos por compreender parcialmente
que o implacável antagonista somos nós mesmos.
Philip Roth, in Teatro de Sabbath
segunda-feira, 11 de agosto de 2014
Chama
Não chama, só arde,
É muda, plantada,
Em chamas, calada,
Nunca muda nada,
Até que seja tarde.
É muda, plantada,
Em chamas, calada,
Nunca muda nada,
Até que seja tarde.
Atanágoras
Sena
As Perseidas 2014: chuva de meteoros ganha Doodle do Google em vídeo
A chuva de meteoros Perseidas acontece anualmente entre julho
e agosto e é tema do Doodle do Google desta segunda-feira (11). O fenômeno ganhou um time lapse no
You Tube, mostrando detalhes animados no céu. Ao final do vídeo, o Doodle
mostra uma constelação que forma a palavra Google. É possível ainda
compartilhar a bela experiência espacial nas redes sociais.
O
que é a Perseida?
A
Chuva de Meteoros Perseida já foi ilustrada em um doodle estático em 12 de agosto de 2009. No Doodle desta segunda-feira (11), disponível também no
YouTube, uma música composta por Niko Leiva,
inspirada nas montanhas da Bolívia, aumentam o estado de espírito
contemplativo. Vale conferir o resultado.
Observada
ao longo dos últimos dois mil anos, as Perseidas - ou Perséiades, como também
são chamadas - são formadas por um rastro de fragmentos expelidos pelo
cometa Swift-Tuttle e que se estendem ao longo de sua órbita, ficando mais
visíveis quando sua trajetória está mais próxima do Sol.
Foto do pico da
Perseidas em 2012, tirada na cidade de Weikersheim, Alemanha (Foto:
Reprodução/NASA)
Matéria completa aqui.
Castello Branco - Crer-Sendo*
Preciso amar de menos
De menos a mim e mais atento
Preciso amar atento
Atendo pra não ceder por dentro
Por dentro que está
Por dentro que palpita aqui por dentro
Amar jamais será demais
E equilibrar
Não há
Não há
Não há porque viver
Se não pra crer e ser crescendo sendo
Não há
Não há
Não há porque amar
Se não pra semear conhecimento
Preciso amar sabendo
Sabendo que as vezes só eu só e só
Preciso amar eu só
Que é só que só me encontro dentro
Por dentro que está
Por dentro que walkie talkie por dentro
Amar
E equilibrar.
De menos a mim e mais atento
Preciso amar atento
Atendo pra não ceder por dentro
Por dentro que está
Por dentro que palpita aqui por dentro
Amar jamais será demais
E equilibrar
Não há
Não há
Não há porque viver
Se não pra crer e ser crescendo sendo
Não há
Não há
Não há porque amar
Se não pra semear conhecimento
Preciso amar sabendo
Sabendo que as vezes só eu só e só
Preciso amar eu só
Que é só que só me encontro dentro
Por dentro que está
Por dentro que walkie talkie por dentro
Amar
E equilibrar.
*Música
do primeiro álbum do Castello Branco, chamado Serviço, que está para
download GRATUITO no próprio site do Castello: www.castellobranco.nu.
Me belisque
Como
psicanalista, o dr. Abreu já
tratara de muita gente estranha. Um paciente tentara esgoelá-lo e saíra do consultório diretamente para o manicômio. Outro contara em detalhes toda a sua
vida, que o dr. Abreu não
demorara em identificar como sendo a vida do Thomas Edison. Por isto o dr.
Abreu não se
surpreendeu quando a primeira coisa que aquela nova paciente disse foi:
- Eu posso não estar aqui.
O dr. Abreu pediu, sorrindo, para ela
explicar. Ela disse:
- Eu nunca sei se estou sonhando ou não estou. É por isto que eu estou aqui.
- Então você está
aqui – disse o
dr. Abreu.
- Se eu não estiver sonhando. Eu posso estar na
minha cama, dormindo, e sonhando que estou aqui.
- O que não a impede de falar, e me contar os seus
problemas.
- Meu problema é um só. Não
consigo distinguir sonho de realidade.
- Muito bem. Vamos supor que isto seja um
sonho. Que eu também não esteja aqui, e sim no seu sonho.
Podemos fazer a sessão
assim mesmo. Com a vantagem que você
não precisará pagá-la,
já que é tudo um sonho.
- O senhor acha?
- Acho. Deite-se, por favor.
- Aqui, no divã?
- Por favor.
O dr. Abreu pediu para ela contar desde
quando confundia sonho com realidade. Ela respondeu que desde criança. Ela se lembrava de algum trauma de infância que pudesse ter desencadeado a
confusão? Não, não.
Na verdade sua infância
tinha sido um sonho. Ou então
ela sonhara que tinha sido um sonho. Era difícil dizer.
- Você nunca fez um teste para saber se era
sonho ou não?
- Como, teste?
- Por exemplo, tentar fazer uma coisa
completamente impossível.
Voar. Sair voando pela janela. Se você
conseguir voar, é sonho.
Se não, não é.
- Me belisque.
- Como?
- É
um teste. Me belisque. Se eu sentir, não
é sonho.
- Desculpe, mas eu não posso beliscá-la. Não posso tocá-la. Seria antiético.
- Só
se não fosse
sonho. Se fosse, não teria
importância.
Sonho não tem ética, não tem moral, não tem regras, não tem lógica. Num sonho nada é impossível, nada é proibido. Me belisque.
- Não
posso.
- Você não
quer me ajudar? Seria um beliscão
terapêutico.
Para acabar com as minhas dúvidas.
- Desculpe.
- Você prefere que eu tente sair voando pela
janela. É isso?
- Não,
eu….
- A verdade é que você não
tem certeza se isto é
um sonho ou não. É ou não é?
- Claro que não. Eu tenho certeza que isto é a realidade.
- Então me belisque, para provar.
- Não.
- Me belisque!
- Não
posso.
- Me belisque!
Naquele momento, o dr. Abreu pensou no
seu velho sonho de largar a profissão
se retirar para um sítio,
longe da voz humana.
Luis
Fernando Veríssimo