sexta-feira, 31 de maio de 2013

Hoje é outro dia


Quando abro cada manhã a janela do meu quarto
É como se abrisse o mesmo livro
Numa página nova…
Mário Quintana

Não se pode perder o que não se tem

“Fosse a tua vida três mil anos e até mesmo dez mil, lembra-te sempre que ninguém perde outra vida que aquela que lhe tocou viver e que só se vive aquela que se perde. Assim a mais longa e a mais curta vida se equivalem. O presente é igual para todos, e o que se perde é, por isso mesmo, igual, e o que se perde surge como a perda de um segundo. Com efeito, não é o passado ou o futuro que perdemos; como poderia alguém arrebatar-nos o que não temos?
Por isso toma sentido, a toda a hora, nestas duas coisas: primeiramente, que tudo, desde toda a eternidade, apresenta aspecto idêntico e passa pelos mesmos ciclos, e pouco importa assistir ao mesmo espetáculo em duzentos anos ou toda a eternidade; depois, que tanto perde o homem que morre carregado de anos como o que conta breves dias, consistindo a perda no momento presente; não se pode perder o que não se tem.”
Marco Aurélio, in Pensamentos

Trabalho e inspiração

“Um leigo pensaria que, para criar, é preciso aguardar a inspiração. É um erro. Não que eu queira negar a importância da inspiração. Pelo contrário, considero-a uma força motriz, que encontramos em toda a atividade humana e que, portanto, não é apenas um monopólio dos artistas. Essa força, porém, só desabrocha quando algum esforço a põe em movimento, e esse esforço é o trabalho.”
Igor Feodorovitch Stravinski

A vida

“Não, a vida não me desapontou! Pelo contrário, todos os anos a acho melhor, mais desejável, mais misteriosa... desde o dia em que vejo a mim a grande libertadora, a ideia de que a vida podia ser experiência para aqueles que procuram saber, e não dever, fatalidade, duplicidade!... Quanto ao próprio conhecimento, seja ele para outros aquilo que quiser, um leito de repouso, ou o caminho para um leito de repouso, ou distração ou vagabundagem, para mim é um mundo de perigos, é um universo de vitórias onde os sentimentos heroicos têm a sua sala de baile. ‘A vida é um meio de conhecimento’; quando se tem este princípio no coração, pode viver-se não somente corajoso mas feliz, pode-se rir alegremente! E quem, de resto, se ouvirá, portanto, a bem rir e a bem viver se não for primeiramente capaz de vencer e de guerrear?”
Friedrich Nietzsche, in A Gaia Ciência

Público

Ser intelectual é, entre outras coisas, observar com estranheza seu nome e sua imagem se alienarem do que você pensa.
Ser um intelectual público (se é que há outro) é:

1. Viver permanentemente com o compromisso de procurar a verdade, de dizê-la — até onde se conseguiu compreendê-la —, de assumir as dificuldades dessa busca, de admitir quando não se acredita estar enxergando bem e de reconhecer os erros de interpretação e juízo quando interlocutores os apontam.
2. Aceitar qualquer pessoa como interlocutor no espaço público. Mas se reservar o direito de responder somente às críticas ou observações que se situem dentro da vontade honesta de compreender a realidade, recusando as tentativas de produção de polêmicas fundadas em agressões imaginárias ou posicionamentos a priori inamovíveis. Foucault: “O polemista procede baseado nos privilégios que tem de antemão e que nunca vai questionar. Ele possui, por princípio, direitos que o autorizam a guerrear e que fazem desta luta um empreendimento justo; quem está diante dele não é um parceiro na procura da verdade, mas um adversário, um inimigo errado e nocivo cuja mera existência constitui uma ameaça.”
3. Não aceitar qualquer pessoa no espaço privado. Página de Facebook ou e-mail pessoal, por exemplo, são espaços cuja soberania é privada. Certa vez uma pessoa, cujos comentários eram obtusos e agressivos, reagiu assim a meu pedido de que nunca mais postasse um comentário em minha página: “Vocês liberais são engraçados: defendem o contraditório, mas mandam logo que se cale quem os contesta”. O motivo de meu pedido de silêncio tinha sido o seguinte: após um texto em que eu procurava compreender a articulação entre monoteísmo e perseguição sexual, recebo a seguinte sofisticada argumentação: “Francisco Bosco, sua filhinha é tão linda, duvido que você queira mesmo que ela cresça e vire uma sapatão se atracando com outra sapatão na Avenida Paulista”. Isso vindo da mesma pessoa que, comentando um texto de Vladimir Safatle que eu compartilhara, e no qual ele defendia a extinção da PM, por ser uma polícia formada no entendimento do cidadão como inimigo, me disse: “Se alguma vez você for sequestrado, não tem o direito de chamar a polícia”.
4. Saber que as relações imaginárias costumam estar sujeitas a reversões dialéticas. A linha entre a admiração e a inveja é tênue, e muitos podem se aproveitar de um erro seu (suposto ou verdadeiro) para dar uma guinada de 180 graus na economia narcísica e atacá-lo com indisfarçável prazer.
5. Estabelecer distinções nítidas entre o público e o privado. A mais importante: na dimensão pública suas ideias e atos devem ser justificados em relação a todos; na dimensão privada suas ideias e atos devem ser justificados somente para aqueles que você admite em suas relações pessoais (parece óbvio, mas infelizmente não é).
6. Diante de certos acontecimentos, observar com estranheza seu nome e sua imagem se alienarem completamente do que você pensa e de como você age. Ter a curiosa experiência (uma espécie de unheimlich) de ouvir relatado, de modo distorcido, um episódio que você testemunhou ou protagonizou.
7. Ser agraciado com interlocuções de alto nível — que ajudam a esclarecer, aprimorar ou descartar suas próprias interpretações —, propostas por leitores que o conhecem originalmente apenas na dimensão pública, e passam a tornar-se seus amigos.
8. Habitar muitas vezes conflitos entre interesses públicos e privados, procurando manter fidelidade para com o princípio público.
9. Dizer o que realmente pensa, com a contundência necessária, quando se trata de problemas importantes para a esfera pública. Permitir, entretanto, que a lógica do privado interfira em seus posicionamentos públicos quando o juízo em questão seja de pequena importância (escrever sobre o livro de um amigo, por exemplo).
10. Pensar de acordo com suas ações, mais decisivamente ainda do que agir de acordo com suas convicções. O primeiro caso não admite erros: falsear as complexidades da realidade é uma grave falta com a verdade e uma incursão, com frequência, no moralismo. Já o segundo caso admite erros — e não reconhecer a existência deles significa justamente incorrer no primeiro caso. Karl Kraus: “Os hipócritas morais não são odiosos por agir diferente do que professam, mas por professar algo diferente do que fazem. [...] O condenável não é a traição à moral, mas a moral”.
11. Lamentar ser atacado por argumentos muito mais frágeis do que os seus. E quanto mais frágeis, mais seguros de si. A humildade é constitutiva do verdadeiro pensamento.
12. Tentar separar, o quanto for possível, sua interpretação da realidade e seu próprio narcisismo, de modo que as críticas àquela não sejam tomadas como um ataque ao seu ego.
Francisco Bosco, in oglogo.globo.com/cultura, de 29/05/2013

O campo

"O campo é onde não estamos. Ali, só ali, há sombras verdadeiras e verdadeiro arvoredo."
Fernando Pessoa

Vida vivida

“Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata.”
Clarice Lispector

Meu querer espontâneo

“De certo modo, o homem é um ser que nos está intimamente ligado, na medida em que lhe devemos fazer bem e suportá-lo. Mas desde que alguns deles me impeçam de praticar os atos que estão em relação íntima comigo mesmo, o homem passa à categoria dos seres que me são indiferentes, exatamente como o sol, o vento, o animal feroz. É certo que podem entravar alguma coisa da minha atividade; mas o meu querer espontâneo, as minhas disposições interiores não conhecem entraves, graças ao poder de agir sob condição e de derrubar os obstáculos. Com efeito, a inteligência derruba e põe de banda, para atingir o fim que a orienta, todo o obstáculo à sua atividade. O que lhe embaraçava a ação favorece-a; o que lhe barrava o caminho ajuda-a a progredir.”
Marco Aurélio, in Pensamentos

terça-feira, 28 de maio de 2013

Falta nome

Imagem: Google

Fala de Riobaldo, in Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa

O Teatro Mágico: O anjo mais velho


"O dia mente a cor da noite
E o diamante a cor dos olhos
Os olhos mentem dia e noite a dor da gente"
Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minha alma daquilo que outrora eu deixei de acreditar
Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar
Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia o verbo a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só
Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..
Enquanto houver você do outro lado
Aqui do outro eu consigo me orientar
A cena repete a cena se inverte
Enchendo a minha alma d'aquilo que outrora eu deixei de acreditar
Tua palavra, tua história
Tua verdade fazendo escola
E tua ausência fazendo silêncio em todo lugar
Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia o verbo a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só
Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..
Metade de mim
Agora é assim
De um lado a poesia o verbo a saudade
Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim
E o fim é belo incerto... depende de como você vê
O novo, o credo, a fé que você deposita em você e só

Só enquanto eu respirar
Vou me lembrar de você
Só enquanto eu respirar..

Sedução

A poesia me pega com sua roda dentada,
me força a escutar imóvel
o seu discurso esdrúxulo.
Me abraça detrás do muro, levanta
a saia pra eu ver, amorosa e doida.
Acontece a má coisa, eu lhe digo,
também sou filho de Deus,
me deixa desesperar.
Ela responde passando
a língua quente em meu pescoço,
fala pau pra me acalmar,
fala pedra, geometria,
se descuida e fica meiga,
aproveito pra me safar.
Eu corro ela corre mais,
eu grito ela grita mais,
sete demônios mais forte.
Me pega a ponta do pé
e vem até na cabeça,
fazendo sulcos profundos.
É de ferro a roda dentada dela.
Adélia Prado

Milton e o concorrente

Milton ainda não abriu a sua loja, mas o concorrente já abriu a dele; e já está anunciando, já está vendendo, já está liquidando a preços baixo do custo. Milton ainda está na cama, ao lado da amante, desta mulher ilegítima, que nem bonita é, nem simpática; o concorrente já está de pé, alerta, atrás do balcão. A esposa – fiel companheira de tantos anos – está a seu lado, alerta também. Milton ainda não fez o desjejum (desjejum? Um cigarro, um copo de vinho, isto é desjejum?) - o concorrente já tomou suco de laranja, já comeu ovo, torrada, queijo, já sorveu uma grande xícara de café com leite. Já está nutrido.
Milton ainda está nu, o concorrente já se apresenta elegantemente vestido.
Milton mal abriu os olhos, o concorrente já leu os jornais da manhã, já está a par das cotações da bolsa e das tendências do mercado. Milton ainda não disse uma palavra, o concorrente já falou com clientes, com figurões da política, com o fiscal amigo, com os fornecedores. Milton ainda está no subúrbio; o concorrente, vencendo todos os problemas de transito, já chegou ao centro da cidade, já está solidamente instalado no seu prédio próprio. Milton ainda não sabe se o dia é chuvoso, ou de sol, o concorrente já está seguramente informado de que vão subir os preços dos artigos de couro. Milton ainda não viu os filhos (sem falar da esposa, de quem está separado); o concorrente já criou as filhas, já formou-as em Direito e Química, já as casou, já tem netos.
Milton ainda não começou a viver.
O concorrente já está sentindo uma dor no peito, já está caindo sobre o balcão, já está estertorando, os olhos arregalados – já esta morrendo, enfim.
Moacyr Scliar, in O anão e a televisão

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Palavra, firmeza

“As palavras têm sua própria firmeza. A palavra na página não pode revelar (pode esconder) a flacidez da mente que a concebeu. Todos os pensamentos são evoluções – ganham mais clareza, definição, autoridade ao serem impressos – ou seja, descolados da pessoa que os pensa.”
Susan Sontag

Todos a um tempo

“Considera quantas coisas, no mesmo instante infinitesimal, se produzem simultaneamente em cada um de nós, tanto no domínio do corpo como no da alma. Por isso te não surpreenderá que muitos mais acontecimentos se produzam, ou antes, que eles se produzam todos a um tempo, no ser simultaneamente único e universal a que chamamos mundo.”
Marco Aurélio, in Pensamentos

domingo, 26 de maio de 2013

Suporte

“Tudo o que acontece, acontece de sorte que naturalmente o podes suportar ou naturalmente o não podes suportar; não protestes, mas, enquanto te for possível, suporta-o. Se ao invés é coisa que naturalmente és capaz de suportar, não reguingues, senão mais depressa dás com tudo em terra. Lembra-te, todavia, que és naturalmente capaz de suportar tudo o que de ti depende tornar suportável e tolerável; basta que consideres que é o teu interesse ou o teu dever a impor-te esse trabalho.” 
Marco Aurélio, in Pensamentos

A maravilha da minha terra: a sangria da Barragem de Pau dos Ferros*















Fotos: Elilson Batista

Foto: Pablo Einstein Batista

*Ah, saudade... registro fotográfico da sangria da Barragem, dia 08 de abril de 2008.

Soneto 123

Não! Tempo, não te regozijarás porque envelheço:
Tuas pirâmides erguidas com nova força
A mim não assustam, nem surpreendem;
São apenas visões de velhos lugares.
Nossos dias são breves e, portanto, admiramos
O que tu nos impõe que envelheceu;
E preferimos tê-los conforme nosso desejo,
A conhecê-los somente por suas lendas.
Desafio tanto as histórias quanto a ti,
Sem me importar com o passado ou o presente;
Pois teus livros e o que vemos ambos mentem,
Feitos, mal e mal, em tua contínua pressa:
Isto eu juro, e assim será sempre,
Serei verdadeiro, apesar de ti e tua longa foice.
William Shakespeare

Ser humano: um projeto por concluir

"Todos os anos exterminamos comunidades indígenas, milhares de hectares de florestas e até inúmeras palavras das nossas línguas. A cada minuto extinguimos uma espécie de aves e alguém em algum lugar recôndito contempla pela última vez na Terra uma determinada flor. Konrad Lorenz não se enganou ao dizer que somos o elo perdido entre o macaco e o ser humano. Somos isso, uma espécie que gira sem encontrar o seu horizonte, um projeto por concluir. Falou-se bastante ultimamente do genoma e, ao que parece, a única coisa que nos distancia na realidade dos animais é a nossa capacidade de esperança. Produzimos uma cultura de devastação baseada muitas vezes no engano da superioridade das raças, dos deuses, e sustentada pela desumanidade do poder econômico. Sempre me pareceu incrível que uma sociedade tão pragmática como a ocidental tenha deificado coisas abstratas como esse papel chamado dinheiro e uma cadeia de imagens efêmeras. Devemos fortalecer, como tantas vezes disse, a tribo da sensibilidade...”
José Saramago, in Revista Universidad de Antioquia (2001)

Duas maneiras cega a fortuna

“No golfo de uma privança, nunca o perigo é mais certo, que quando a fortuna é mais próspera. De duas maneiras cega a fortuna, porque cega como luz e cega como foice; com uma mão abraça, e com outra corta; com a que abraça introduz a cegueira, e com a que corta mostra o desengano. Consiste a prudência em que se temam os resplendores da luz, para que se não cegue aos rigores do golpe. Não faz mal à embarcação o penedo que sobressai por cima da água; porque para evitar o perigo sabe o piloto desviar a nau, por ver manifesto o perigo. Nos penedos que as águas escondem, aí naufraga sempre o baixel; porque cobriu com capa de cristal uma ruína de penhasco, e os que, navegando pelo mar, caminham com os olhos nas ondas, facilmente se esvaem, e quanto maior é na cabeça o esvaecimento, vem a ser mais no coração a fraqueza. Não sabe o que navega quanto tem vencido de distância, se do mesmo mar não tira os olhos, e só fazendo balizas na terra sabe o quanto no mar caminham. É um golfo grande o da privança, e a maior prudência consiste em que se divirtam de alguma vez os olhos, e que façam balizas em terra firme, que é a verdade.”
Padre Antônio Vieira, in As Sete Propriedades da Alma

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Suplemento - A Nova Poesia Brasileira


A nova edição especial do Suplemento Literário, veículo da Superintendência de Publicações e Suplemento Literário, vinculada à Secretaria de Estado de Cultura, já está disponível. Com o título de ‘A nova poesia brasileira vista por seus poetas’, a revista traz um painel representativo do que foi produzido em poesia por autores nascidos a partir de 1960, com enfoque na produção desses autores nas duas últimas décadas.
Essa seleção foi feita por poetas brasileiros que tiveram, além desse desafio, a difícil tarefa de redigir comentários sobre o poema que selecionaram Em números, trata-se de 54 poetas, que escolheram 52 poemas de 40 autores. 
A edição reúne poetas de diversas partes do país, como Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte.
Acesse aqui para o arquivo em pdf.

Conheça e leia os 101 Maiores Roteiros do Cinema eleitos pelo Sindicato dos Roteiristas


Após o Oscar 2013, muitos dos nossos leitores nos pediram uma lista dos melhores roteiros já feitos no cinema. Desejo pedido é desejo realizado!
O renomado Sindicato dos Roteiristas (Writers Guild of America) tem sua própria lista dos 101 maiores roteiros do cinema de todos os tempos. Esse é o momento de aprofundar os conhecimentos para quem quer se tornar um cinéfilo de primeira.
Entre os listados, há clássicos como “O Crepúsculo dos Deuses“, passando por inesquecíveis como “Pulp Fiction”, até atuais como “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”.
Além de vocês conhecerem os melhores, nós fizemos questão de buscar e disponibilizar online (exceto alguns que realmente não estão na rede) de cada roteiro dos agraciados.
Para abrir o roteiro, clique sobre o título e boa leitura!
Veja a lista completa aqui.

O outro lado da vida

“Não me atrai ser banqueiro, ter dinheiro. Há pessoas diferentes. Atrai-me o outro lado da vida, o outro lado do mar, alguma coisa perfeita, um dia que tenha uma manhã com muito orvalho, restos de geada… De resto, não tenho grandes projetos. Acho que o planeta está perdido e que, provavelmente, a hipótese de Antônio José Saraiva está certa: é melhor que isto se estrague mais um bocadinho, para ver se as pessoas têm mais tempo para olhar para os outros.”
Al Berto, in Entrevista à revista Ler (1989)

Escrever

“Em vários aspectos, escrever é o ato de dizer Eu, de se impor sobre as outras pessoas, de dizer escute-me, veja pelo meu lado, mude ideia. É um ato agressivo, até mesmo hostil.”
Joan Didion

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O som que vem de dentro

Compositor criativo, instrumentista virtuoso, arranjador de mão cheia. Não faltam adjetivos para qualificar o som que brota dos dedos de Manoca Barreto – um dos gigantes da música potiguar da atualidade. Quem já presenciou suas performances ao vivo comprovou que a guitarra é praticamente a extensão de seu braço, tamanha a intimidade do artista com o instrumento. Perfeccionista, professor de muita gente que está tocando (e bem) por aí, Manoca lança seu segundo disco  solo sugestivamente intitulado “O som que vem” neste próximo sábado (25) no auditório da Escola de Música da UFRN. 

Compositor, guitarrista e arranjador, Manoca Barreto pertence a uma geração de virtuoses da música instrumental. Há dois anos ele lapida seu segundo disco, O Som que vem, que será lançado neste sábado, no auditório da Escola de Música da UFRN
Compositor, guitarrista e arranjador, Manoca Barreto pertence a uma geração de virtuoses da música instrumental. Há dois anos ele lapida seu segundo disco, O Som que vem, que será lançado neste sábado, no auditório da Escola de Música da UFRN

O show de lançamento terá duas sessões: às 19h e às 20h30, com ingressos à venda por R$ 20 na hora ou antecipado na Ótica New Vision (Midwal Mall). A noite virtuosa terá participação de Wigder Valle (voz), Fernando Suassuna (bateria), Rogério Pitomba (bateria), Júnior Primata (baixo), Airton Guimarães (baixo acústico), Eduardo Taufic (piano) e Anderson Pessoa (saxofone).
Mesmo afirmando ter dado uma relaxada no quesito perfeccionismo, Manoca trabalhou por dois anos neste novo álbum – o disco anterior “Bom Sinal”, de 2005, consumiu pelo menos o dobro desse tempo até ficar pronto. “Confesso que deixei a coisa fluir de maneira mais natural neste novo trabalho, mas muitas vezes a demora decorre de minha atividade acadêmica – minha prioridade são as aulas”, disse com sua tranquilidade característica. “Este trabalho chegou ao seu momento de finalização, para mim, como uma grata surpresa. A ideia da predominância das sonoridades acústicas, somadas aos recursos tecnológicos disponíveis, aconteceu naturalmente, e a harmonia dessa interação é o reflexo do que penso hoje como pessoa e como artista”, avalia Barreto.
O músico também acumula no currículo o CD “Tempo Bom”, gravado em 2009 com o Caninga Trio ao lado do baixista Mário Cavalcanti Júnior ‘Primata’ e do saxofonista paraibano Heleno ‘Costinha’ Feitosa. “O Caninga é um projeto muito especial pra mim, pois além da amizade há uma química musical fantástica. E como nem sempre encontramos tempo para se dedicar ao trio, dizemos que somos ‘caningados’ em manter o grupo funcionando”, brinca. Manoca Barreto é, desde 1998, professor de Guitarra Elétrica, Prática de Conjunto e Harmonia Funcional e Improvisação da EMUFRN.
Entre o jazz e as raízes
Diferente do primeiro disco solo, que reuniu músicas de várias épocas, em “O som que vem” Manoca priorizou composições recentes. São dez ao todo, que flertam com a cadência brasileira e a sofisticação do jazz. Exclusivamente instrumental, este disco traz pelo menos três detalhes que merecem destaque: o primeiro é a presença da voz do cantor Wigder Valle em duas faixas; Wigder não canta, até por quê não há letra, faz vocalizações na música que dá nome ao disco e em “Quando acontece”. “É uma das melhores vozes que conheço, as músicas ganharam um brilho especial com essa participação”, garante Manoca.
O segundo detalhe diz respeito à rendição de Manoca ao violão de nylon, instrumento feito sob medida pelo luthier natalense Fraterno Brito. “Sempre fui do time da guitarra, mas quando peguei esse violão comecei a dedilhar o que viria a ser a introdução de ‘O som que vem’, por isso esse título”, explica. A guitarra que Manoca Barreto usou durante a entrevista concedida ao VIVER é outra pérola: nada de grife famosa ou multinacional, a guitarra híbrida de sonoridade semi-acústica que possui saída extra para emular um violão de aço foi construída na fábrica Cast do luthier Josino Saraiva em São Paulo. Por último, um detalhe afetivo importante, é a dedicatória que o músico faz a mãe em “Tudo que eu queria”. “Nem preciso dizer o tanto que ela representa, é a mãe que eu queria se fosse para escolher”.
Quem não puder ir ao lançamento, pode adquirir o novo CD de Manoca nas livrarias Cooperativa Universitária e Potylivros, banca Cidade do Sol, lojas de instrumentos musicais (Musical Som e Luz, Natal Groove e Arte Musical), pela internet está disponível no iTunes e na Amazon.
Serviço
Show de lançamento do disco “O som que vem”, de Manoca Barreto. Sábado (25), às 19h e às 20h30, no auditório da Escola de Música da UFRN. Preço: R$ 20. Tel: 3231-4443.
Yuno Silva, in www.tribunadonorte.com.br, de 23/05/2013

O bobo amor

“É quase impossível evitar o excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.”
Clarice Lispector

Cansaço da vida

“Não te deixes distrair com os incidentes que te chegam de fora! Reserva-te um tempo livre para aprender qualquer coisa de bom e deixa-te de flanar sem rumo! Já é tempo de te guardares doutra sorte de vagabundeio. Bem loucos, com efeito, são aqueles que, por serem topa-a-tudo, sentem o cansaço da vida e não têm um fim a que dirijam os seus esforços e, para o dizer de uma vez, as suas ideias.”
Marco Aurélio, in Pensamentos

Revendo

Outrora
O pouco era muito.
Agora
O excessivo já não basta.
Elilson José Batista

O disco

Sou lenhador. O nome não importa. A choça em que nasci e na qual logo hei de morrer fica à beira do bosque. Do bosque dizem que se estende até o mar que rodeia toda a terra e que nele existem casas de madeira iguais à minha. Tampouco vi o outro lado do bosque. Meu irmão mais velho, quando éramos pequenos, me fez jurar que nós dois derrubaríamos todo o bosque até não restar uma única árvore. Meu irmão morreu e agora procuro e continuarei procurando outra coisa. No rumo do poente corre um riacho em que sei pescar com a mão. No bosque há lobos, mas os lobos não me amedrontam e meu machado nunca me foi infiel. Não fiz o cálculo de meus anos. Sei que são muitos. Meus olhos já não veem. Na aldeia, aonde já não vou porque me perderia, tenho fama de avaro, mas que pode ter amealhado um lenhador do bosque?
Fecho a porta de minha casa com uma pedra para que a neve não entre. Uma tarde ouvi passos trabalhosos e depois uma batida. Abri e entrou um desconhecido. Era um homem alto e velho, envolto numa manta puída. Uma cicatriz atravessava seu rosto. Os anos pareciam haver dado a ele mais autoridade que fraqueza, mas notei que lhe custava andar sem o apoio do bastão. Trocamos umas palavras que não lembro. Disse afinal:
- Não tenho casa e durmo onde posso. Percorri toda a Saxônia.
Aquelas palavras convinham à velhice dele. Meu pai sempre falava da Saxônia; agora as pessoas dizem Inglaterra.
Eu tinha pão e peixe. Não falamos durante o jantar. Começou a chover. Com uns couros armei uma cama para ele no chão de terra, onde meu irmão morreu. Ao chegar a noite, dormimos.
O dia clareava quando saímos de casa. A chuva cessara e a terra estava coberta de neve recente. Deixou cair o bastão e ordenou-me que o erguesse.
– Por que devo te obedecer? - disse-lhe.
– Porque sou um rei – respondeu.
Julguei-o um louco. Apanhei o bastão e lhe dei.
Falou uma voz diferente.
– Sou o rei dos Secgens. Muitas vezes, levei-os à vitória na dura batalha, mas na hora marcada pelo destino perdi meu reino. Meu nome é Isern e sou da estirpe de Odin.
– Não venero Odin – respondi. - Venero Cristo.
Como se não me ouvisse, continuou:
– Ando pelos caminhos do desterro, mas ainda sou rei porque tenho o disco. Queres vê-lo?
Abriu a palma da mão, que era ossuda. Não havia nada na mão. Foi então que percebi que sempre a mantinha fechada.
Olhando-me fixamente, disse:
– Podes tocá-lo.
Já com algum receio pus a ponta dos dedos sobre a palma. Senti uma coisa fria e vi um brilho. A mão fechou-se bruscamente. Eu não disse nada. O outro continuou com paciência, como se falasse com um menino:
– É o disco de Odin. Tem um único lado. Na terra não existe outra coisa que tenha um só lado. Enquanto estiver em minha mão, serei rei.
– É de ouro? - disse a ele.
– Não sei. É o disco de Odin e tem um só lado.
Então senti a cobiça de possuir o disco. Se fosse meu, poderia vendê-lo por uma barra de ouro e seria um rei.
Disse ao vagabundo que ainda odeio:
– Na choça tenho um cofre de moedas escondido. São de ouro e brilham como o machado. Se me deres o disco de Odin, eu te darei o cofre.
Disse teimosamente:
– Não quero.
– Então – disse eu – podes prosseguir teu caminho.
Deu-me as costas. Uma machadada na nuca bastou e sobrou para que vacilasse e caísse, mas, no cair, abriu a mão e vi o brilho no ar. Marquei bem o lugar com o machado e arrastei o morto até o riacho, que estava muito cheio. Atirei-o lá.
Ao voltar para casa, procurei o disco. Não o encontrei. Faz anos que continuo à sua procura.
Jorge Luis Borges, in O livro de areia

A opinião

“Considera que não são as ações dos outros que nos perturbam, pois que pertencem ao domínio das suas vontades, mas a opinião que sobre ela formamos. Suprime-a, pois: trata de anular o juízo que te deixa indignado e a tua cólera se desvanecerá. Como suprimi-la? Meditando em que não há nisso nada de vergonhoso para ti, porquanto se houvesse outra coisa, além do mal moral, que fosse vergonhosa, tu também cometerias necessariamente muitas faltas; tu te tornarias um bandido, de qualquer maneira.”
Marco Aurélio, in Pensamentos e Reflexões

terça-feira, 21 de maio de 2013

A escrita

“A escrita é uma pequena porta. Algumas fantasias, feito grandes peças de mobiliário, não passarão por ela.”
Susan Sontag

Sempre somos pó

“Esta nossa chamada vida, não é mais do que um círculo que fazemos de pó a pó: do pó que fomos ao pó que havemos de ser. Uns fazem o círculo maior, outros menor, outros mais pequeno, outros mínimo: De utero translatus ad tumulum: Mas ou o caminho seja largo, ou breve, ou brevíssimo; como é círculo de pó a pó sempre e em qualquer parte da vida somos pó. Quem vai circularmente de um ponto para o mesmo ponto, quanto mais se aparta dele, tanto mais se chega para ele: e quem, quanto mais se aparta, mais se chega, não se aparta. O pó que foi nosso princípio, esse mesmo e não outro é o nosso fim, e porque caminhamos circularmente deste pó para este pó, quanto mais parece que nos apartamos dele, tanto mais nos chegamos para ele: o passo que nos aparta, esse mesmo nos chega; o dia que faz a vida, esse mesmo a desfaz; e como esta roda que anda e desanda juntamente, sempre nos vai moendo, sempre somos pó.”
Padre Antônio Vieira, in Sermões

O nosso variável “eu”

“Sendo variável o nosso ‘eu’, que é dependente das circunstâncias, um homem jamais deve supor que conhece outro. Pode somente afirmar que, não variando as circunstâncias, o procedimento do indivíduo observado não mudará. O chefe de escritório que já redige há vinte anos relatórios honestos, continuará sem dúvida a redigi-los com a mesma honestidade, mas cumpre não o afirmar em demasia. Se surgirem novas circunstâncias, se uma paixão forte lhe invadir a mente, se um perigo lhe ameaçar o lar, o insignificante burocrata poderá tornar-se um celerado ou um herói. As grandes oscilações da personalidade observam-se quase exclusivamente na esfera dos sentimentos. Na da inteligência, elas são muito fracas. Um imbecil permanecerá sempre imbecil.
As possíveis variações da personalidade, que impedem de conhecermos a fundo os nossos semelhantes, também obstam a que cada qual se conheça a si próprio. O adágio ‘Nosce te ipsum’ dos antigos filósofos constitui um conselho irrealizável. O ‘eu’ exteriorizado representa habitualmente uma personalidade de empréstimo, mentirosa. Assim é, não só porque atribuímos a nós mesmos muitas qualidades e não reconhecemos absolutamente os nossos defeitos, como também porque o nosso ‘eu’ contém uma pequena porção de elementos conscientes, conhecíveis em rigor, e, em grande parte, elementos inconscientes, quase inacessíveis à observação.
O único meio de descobrir o nosso ‘eu’ real é, já o dissemos, a ação. Cada qual só se conhece um pouco depois de ter observado a sua maneira de agir em circunstâncias determinadas. Pretender adivinhar como procederemos numa situação dada é muito quimérico. O marechal Ney, quando jurou a Luís XVIII que lhe traria Napoleão numa gaiola de ferro, estava de muito boa fé, mas não se conhecia; um simples olhar do Imperador bastou para que mudasse a sua resolução; o infortunado marechal pagou com a vida a ignorância da sua própria personalidade. Se estivesse mais familiarizado com as leis da psicologia, Luís XVIII ter-lhe-ia provavelmente perdoado.
As teorias expostas nesta obra relativamente ao caráter podem, por vezes, parecer contraditórias. De um lado, com efeito, insistimos na fixidez dos sentimentos que formam o carácter e, de outro, mostramos as variações possíveis da personalidade.
Essas oposições irão dissipar-se rememorando os pontos seguintes:
1º. Os carácteres formam-se a partir de um agregado de elementos afetivos fundamentais, mais ou menos invariáveis, aos quais se juntam elementos acessórios, facilmente mutáveis. Estes últimos correspondem às modificações que a arte do criador aplica a uma espécie, sem modificar por isso os seus carácteres essenciais;
2º. As espécies psicológicas acham-se, como as espécies anatômicas, sob a estreita dependência do meio. Devem adaptar-se a todas as mudanças desse meio e a ele, de facto, se adaptam, quando essas transformações não são consideráveis em extremo nem demasiadamente súbitas;
3º. Os mesmos sentimentos podem oferecer a aparência de uma mudança quando se aplicam a assuntos diferentes, sem que, entretanto, haja sofrido modificação na sua natureza real. Tornando-se amor divino em certas conversões, o amor humano é um sentimento que mudou de nome, mas não de natureza.
Todas essas averiguações têm um interesse muito prático, porquanto se acham na própria base de muitos problemas modernos importantes, principalmente o da educação.
Observando que a educação modifica a inteligência ou, pelo menos, a soma dos conhecimentos individuais, concluiu-se que ela podia modificar igualmente os sentimentos. Era esquecer por completo que os estados afetivos e intelectuais não apresentam uma evolução paralela.
Quanto mais se aprofunda o assunto, tanto mais firmemente se reconhece que a educação e as instituições políticas desempenham um papel bastante fraco no destino dos indivíduos e dos povos.
Essa doutrina, contrária, aliás, às nossas crenças democráticas, parece, por vezes, contrariada também pelos fatos observados em certos povos modernos, e é isso que sempre a impedirá de ser facilmente admitida.
Gustave Le Bon, in As Opiniões e as Crenças

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Vago e vário

Tudo é vago e muito vário
Meu destino não tem siso,
O que eu quero não tem preço
Ter um preço é necessário
E nada disso é preciso.
Leminski

Opiniões e juízos contrários

“Para que servem esses píncaros elevados da filosofia, em cima dos quais nenhum ser humano se pode colocar, e essas regras que excedem a nossa prática e as nossas forças? Vejo frequentes vezes proporem-nos modelos de vida que nem quem os propõe nem os seus auditores têm alguma esperança de seguir ou, o que é pior, desejo de o fazer. Da mesma folha de papel onde acabou de escrever uma sentença de condenação de um adultério, o juiz rasga um pedaço para enviar um bilhetinho amoroso à mulher de um colega. Aquela com quem acabais de ilicitamente dar uma cambalhota, pouco depois e na vossa própria presença, bradará contra uma similar transgressão de uma sua amiga com mais severidade que o faria Pórcia.
E há quem condene homens à morte por crimes que nem sequer considera transgressões. Quando jovem, vi um gentil-homem apresentar ao povo, com uma mão, versos de notável beleza e licenciosidade, e com outra, a mais belicosa reforma teológica de que o mundo, de há muito àquela parte, teve notícia. 
Assim vão os homens. Deixa-se que as leis e os preceitos sigam o seu caminho: nós tomamos outro, não só por desregramento de costumes, mas também frequentemente por termos opiniões e juízos que lhes são contrários.”
Michel de Montaigne, in Ensaios - Da Vaidade

domingo, 19 de maio de 2013

A dor

“Normalmente, a ausência de dor é apenas a condição física necessária para que o indivíduo sinta o mundo; somente quando o corpo não está irritado, e devido à irritação voltado para dentro de si mesmo, podem os sentidos do corpo funcionar normalmente e receber o que lhes é oferecido. A ausência de dor geralmente só é 'sentida' no breve intervalo entre a dor e a não-dor; mas a sensação que corresponde ao conceito de felicidade do sensualista é a libertação da dor, e não a sua ausência. A intensidade de tal sensação é indubitável; na verdade, só a sensação da própria dor pode igualá-la.”
Hannah Arendt, in A Condição Humana

A literatura suscita emoções eternas

“As emoções que a literatura suscita são talvez eternas, mas os meios devem variar constantemente, mesmo que ligeiramente, para não perder a sua virtude. Desgastam-se à medida que o leitor os reconhece. Daí o perigo de afirmar que existem obras clássicas que o serão para sempre.
Cada qual descrê da sua arte e dos seus artifícios. Eu, que me resignei a pôr em dúvida a indefinida duração de Voltaire ou de Shakespeare, acredito (nesta tarde de um dos últimos dias de 1965) na de Schopenhauer e na de Berkeley.
Clássico não é um livro (repito-o) que possui necessariamente tais ou tais méritos. É um livro que as gerações dos homens, motivadas por razões diversas, leem com prévio fervor e com uma misteriosa lealdade.”
Jorge Luís Borges, in Nova Antologia Pessoal