quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Filme do ano: Febre do Rato

A Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) anunciou os vencedores de seu 2.º prêmio de melhores do ano. O filme "Febre do Rato", dirigido pelo pernambucano Cláudio Assis, foi escolhido como melhor longa brasileiro.
Já o iraniano "A Separação", de Asghar Farhadi, venceu a categoria de melhor longa-metragem estrangeiro. Outra obra premiada pelos críticos foi "O Duplo", de Juliana Rojas, considerado melhor curta-metragem do ano.
A eleição dos premiados ocorreu este mês. A Abraccine, que tem 90 associados de 15 Estados brasileiros, foi fundada em julho de 2011 durante o Festival de Cinema de Paulínia. 
Fonte: exame.abril.com.br
Assista o trailer oficial a seguir:

Com mais de 400 peças, festival de Curitiba traz Angeli e produção argentina

"Homem Vertente" usa cerca de 30 mil litros de água em cada apresentação
“Homem Vertente” usa cerca de 30 mil litros de água em cada apresentação

De 26 de março a 7 de abril, a capital paranaense recebe a 22ª edição do Festival de Teatro de Curitiba com 32 espetáculos da Mostra 2013 e cerca de 370 da mostra paralela Fringe. O preço dos ingressos varia de gratuito até R$ 60 e cada companhia decidirá o valor para sua peça, informou Leandro Knopfholz, diretor do festival, em coletiva nesta quarta (30) em São Paulo.
Com música, circo e dança, a mostra principal traz sete estreias nacionais e duas montagens internacionais. Destacam-se "Parlapatões Revistam Angeli", criada especialmente para o Festival, e "Homem Vertente", montagem brasileira do espetáculo "Hombre Vertiente" da companhia argentina Ojalá.
Matéria completa aqui.

Pessoa impulsiva


“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma ideia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”
Clarice Lispector

Instinto para verdade

“Para que discutir com os homens que não se rendem às verdades mais evidentes? Não são homens, são pedras. Tenho um instinto para amar a verdade; mas é apenas um instinto.”
Voltaire

Os músculos

Os Fatos

Todos os domingos, pela manhã, enquanto os outros homens se reuniam no bar da esquina, ou iam para a várzea, ele ficava no quintal, remexendo a terra. O quintal media 4 metros quadrados, o máximo que a administração do com junto residencial fornecia. Ali, ele tinha alface, beterraba e couve.
Naquela manhã, ao passar o rastelo sentiu alguma coisa prendendo os dentes da ferramenta. Forçou, era resistente. Abaixou-se e notou fios prateados que saíam da terra. Era arame, novo. Quando tinha revirado a terra para adubar, tinha cavado fundo sem encontrar nada. Além disso, arame velho estaria enferrujado. Tentou puxar o fio, estava bem preso. Buscou um alicate, conseguiu pouca coisa. Cavou. O arame penetrava na terra alguns metros. Cavou mais. Como é que tinham feito uma coisa dessas, da noite para o dia? Preocupado com a horta, parou a pesquisa. Regou um pouco as sementes, pensando se o arame não ia prejudicar a germinação.
No dia seguinte, levantou-se bem cedo, para observar. O arame tinha crescido. Nos três canteiros, havia brotos de dez centímetros de altura. Um araminho espigado, vivo, forte. Teria sido um pacote errado de sementes? Não, era loucura. Semente de arame?
À noite, o arame parecia estacionado. Também no dia seguinte. As semanas se passaram, as sementes de verdura não germinaram. Só o arame cresceu, espalhou. Havia brotos pelo quintal inteiro. A mulher reclamava, não podia estender roupas no varal, os arames espetavam.
Numa casa de semente, ele pediu um técnico. Demorou meses. Quando o técnico apareceu, o arame estava alto. Os arbustos se enrolavam uns nos outros. O técnico nunca tinha visto nada igual. Aconselhou que o homem plantasse varetas, junto a cada pé. Senão, a colheita ia ser difícil. “Mas quem é que quer colher arame?”, disse o homem. “Eu quero acabar com ele.” “Para isso não temos veneno”, garantiu o técnico. “Podemos matar saúvas, broca, pulgão, mil tipos de larvas, mas arame, não”, disse ele, anotando numa caderneta preta. “Arame, não. O senhor vai ter que escolher. E eu gostaria de saber como foi a safra.”
O arame se enrolou nas varetas e no fim de dois meses o homem pôde colher rolos e rolos de um tipo especial, de aço inoxidável. “Vai ter boa saída no mercado”, disseram os amigos.
Ele amontoou a safra num canto da sala. A mulher, reclamando. Principalmente quando ele não conseguiu vender nada, apesar de ter corrido todas as casas. Um mês depois, o arame crescia outra vez, no quintal.
Veio outra safra. Amontoada na sala. A mulher ameaçava: “Jogo tudo isso fora”. Não jogou. As safras se amontoavam. O arame era fértil, produzia mensalmente. A casa se encheu.
Na casa pequena, 50 metros quadrados, o máximo permitido, não havia lugar para estoque. O homem passou a distribuir pelo bairro, à tarde, quando largava o serviço. Estendeu a distribuição a toda cidade, de porta em porta. Ofereceu, pelos jornais. Fazendeiros mandavam buscar. Centenas de caminhões congestionavam a rua. O bairro não suportava. Fazia abaixo-assinados.
As prefeituras aceitaram, para cercar os municípios. O governo do estado também. E o governo federal consumiu a safra de meses. Até que chegou o dia em que o país estava cercado.
Cercas de dezoito fios, impenetráveis. As casas vendedoras de arame reclamaram. Abriram processos. Em seguida vieram os fiscais da prefeitura. Com notas e notificações.
E os impostos, disto e daquilo. O Ministério da Fazenda falando em saturação do mercado de exportação. Baixa no preço mundial. No quintal, o arame crescia, se enrolava. Os lixeiros se recusavam a levar os rolos, não havia onde colocar.
A prefeitura proibiu a fabricação. Ele disse que não podia, que o arame crescia sozinho. Os fiscais riram, nem quiseram ver. “Nada cresce sozinho”. Começaram a aplicar multas, e multas.
Multas por fabricação ilegal, por falta de registros, por venda sem nota. As casas do ramo (as boas) ganharam nos tribunais. Ele fazia concorrência desleal. Devia pagar indenizações. Notificações para cessar a produção. O preço do arame caiu a zero no mercado. O homem saía à noite, sozinho, para jogar arame pelos terrenos baldios, nos bairros mais distantes. A mulher nem queria saber. Queria o quintal, de volta.
O homem parou de colher o arame. Ele cresceu, se enroscou todo. Caiu para o lado do vizinho. Cresceu por todo lado, pegando nos muros e paredes das outras casas.
Os vizinhos reclamaram. O arame estragava as paredes. Era preciso intervenção da polícia. Ele cortou o arame. Chamou benzedeiras. Duas semanas depois, o arame crescia viçoso.
Crescia por baixo da casa. Subia como trepadeira. Aparecia na calçada. Rachava o asfalto. Certa manhã, ao sair para o quintal, o homem compreendeu. Com um cabo de vassoura forçou a passagem.
Foi penetrando através dos fios de arame. Eles cediam facilmente, eram novos ainda. E o homem se deixou envolver pela floresta de fios. Andando. Cada vez mais para o meio. Até um ponto em que era impossível voltar.
Estava perdido, e contente. Ali não o encontrariam. Os outros teriam medo de penetrar naquela floresta, onde à tarde o calor era sufocante, mas a noite era fresca e agradável. Também não morreria de fome.
Logo no primeiro dia, descobriu pequenos insetos prateados, de aspecto não repulsivo. Verificou também que os brotos novos de arame eram macios e delgados. Descobriu que no centro daquela floresta havia um tipo de arame grosso. E que ao pé deles havia bulbos de água. Percebeu que durante o dia o sol penetrando pela densa vegetação de fios inoxidáveis produzia reflexos, desenhos. O vento, agitando os arames, roçando uns nos outros, produzia sons.
Sons e formas que distrairiam Danilo na longa viagem que começava.
Ignácio de Loyola Brandão, in Contos Brasileiros Contemporâneos

Falar a si mesmo

“É certo que o homem fala a si mesmo; não há um único ser racional que o não tenha experimentado. Pode-se até dizer que o mistério do Verbo nunca é mais magnífico do que quando, no interior do homem, vai do pensamento à consciência, e volta da consciência ao pensamento. (...) Diz, fala, exclama cada um consigo mesmo, sem que seja quebrado o silêncio exterior. Há um grande tumulto; tudo fala em nós, exceto a boca. As realidades da alma, por não serem visíveis e palpáveis, nem por isso deixam de ser também realidades.”
Victor Hugo, in Os Miseráveis

Dependente

"Precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente."
Fernando Pessoa

Quadros pintados por carrinhos de controle remoto

O artista plástico inglês Mark Chadwick fez uma série de pinturas “mecânicas” usando vários dispositivos, tais como carros de controle remoto de brinquedo e ferramentas elétricas para criar as marcas. Esta primeira pintura é Motorcar pintura número 1, de 2006, usando carros de brinquedo que batiam e voltavam nas caixas na área central da pintura. Todas as decisões tomadas em relação ao número de camadas, cores, tipo de escova foram feitos por um sorteio em um chapéu. Os quadros abaixo foram "pintados" por carrinhos.  Você pode encontrar mais em seu site.







Palavras, silêncio e lágrimas

“Apenas as palavras quebram o silêncio, todos os outros sons cessaram. Se eu estivesse silencioso, não ouviria nada. Mas se eu me mantivesse silencioso, os outros sons recomeçariam, aqueles a que as palavras me tornaram surdo, ou que realmente cessaram. Mas estou silencioso, por vezes acontece, não, nunca, nem um segundo. Também choro sem interrupção. É um fluxo incessante de palavras e lágrimas. Sem pausa para reflexão. Mas falo mais baixo, cada ano um pouco mais baixo. Talvez. Também mais lentamente, cada ano um pouco mais lentamente. Talvez. É-me difícil avaliar. Se assim fosse, as pausas seriam mais longas, entre as palavras, as frases, as sílabas, as lágrimas, confundo-as, palavras e lágrimas, as minhas palavras são as minhas lágrimas, os meus olhos a minha boca. E eu deveria ouvir, em cada pequena pausa, se é o silêncio que eu digo quando digo que apenas as palavras o quebram. Mas nada disso, não é assim que acontece, é sempre o mesmo murmúrio, fluindo ininterruptamente, como uma única palavra infindável e, por isso, sem significado, porque é o fim que confere o significado às palavras.”
Samuel Beckett, in Textos para Nada

Religião

“Há apenas uma única religião, embora dela exista uma centena de versões.”
Bernard Shaw

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Revista Formas - Edição 145

A Revista Formas também sabe curtir o verão à sua maneira, e junto aos seus leitores. Nossa programação de veraneio segue pelas próximas páginas, com dicas de ambientação, de design, lançamentos imobiliários e de diversão no aconchego de sua casa, apropriado para a estação.
Também demos destaque à entrevista desta edição, com o novo gestor da Capitania das Artes, Dácio Galvão. Ele comenta os planos para o carnaval, projetos e a criação da Secretaria de Cultura.
Nossos arquitetos mostram e dão dicas de mesas para o veraneio. São diferentes modelos para compor lugares apropriados para a estação.
Andréa Cariello participa desta edição com a inauguração do luxuoso Shopping Village Mall, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro e Marília Bezerra mostra seu traço na ambientação de uma casa de praia modernosa e em sintonia com o mar.
Gracita Lopes e Carolina Melo elaboraram projetos para varandas em casas de praia, de estilos diferentes, para lhe proporcionar inspirações variadas.
Também um projeto de reforma para unir a cozinha gourmet ao home theater, elaborado por Bruna Gosson.  E a ambientação de um apartamento em Pirangi, por Zandra Caldas, Gabriela Caldas e Kamyla Nelson. Ainda as novidades do plano publicitário da Cyrela Plano&Plano com a Campanha In Mare Verão 2012/2013, com diversas atividades em praias do litoral potiguar; todas as informações para você seguir a trilha do Lajedo Soledade e encontrar as pinturas rupestres.
Bom veraneio e boa leitura!


Reparos

Algumas coisas
quando se quebram
são fáceis de consertar:
uma xícara lascada
uma estatueta de gesso
um sapato velho
uma receita que desanda
ou uma amizade arruinada.
Ainda que guardem
as marcas do remendo,
é possível que essas marcas
tenham um certo charme
como algumas cicatrizes.
Mas experimente consertar
um poema que estragou.
Ana Martins Marques, poetisa mineira

Acontecimentos

“Se as coisas não acontecem como desejamos, deveríamos desejá-las do modo que elas acontecem.”
Aristóteles

Às três da manhã


Ela borda sob a luz amarela do abajur. Se pudesse aquela noite acabar o trabalho... Cerram-se os olhos, cansados, a mulher sabe que não poderá dormir. No quente círculo de luz sente-se protegida – ouve o seu nome chamado pelos retratos na parede. São retratos de mortos e as suas vozes ressoam numa casa onde todos dormem. Já passara a roupa, escolhera o arroz, ao lado do fogão apagado, e enchera o filtro de água. E, quando as vozes se calam, escuta o lento pingar das gotas do filtro.
Fechadas as janelas, a garrafa de leite diante da porta. Esta noite quem sabe ela dormirá. Guarda a agulha e os fios na cestinha; ergue-se, a sombra atrás dela, apagando as lâmpadas da sala e do corredor. Antes de extinguir a luz do quarto, acende a lamparina sobre a cômoda: a última luz do mundo.
Reza de joelhos, as mãos no rosto, e deita-se no canto da enorme cama de casal. A essa hora em que descaminhos andam sumidos o marido e os filhos? Suspende de vez em quando a cabeça no travesseiro para olhar o copo iluminado. É luz tão fraca e se, na penumbra do quarto, ela tivesse uma sombra, não se acharia tão só... Percebe uns dedos à janela: o galho do pessegueiro que, com o vento, ali bate de leve. Como se o pessegueiro estivesse acordado e quisesse conversar com ela; tem dedos descarnados e caem-lhe as folhas, é inverno.
Quando se deita há passos na rua, apitos de trem ao longe e sente ainda numa das faces o calor do abajur. Levanta a cabeça do travesseiro – os seus olhos mantêm acesa a lamparina. Basta que durma (e sabe que vai dormir, de tão cansada) para que a chama se apague. O copo está cheio de azeite, o pavio é novo, mas a chama se apaga, assim que ela fecha os olhos. Pode ser o vento ou o marido, o ratinho ou a morte.
Acorda no meio da noite – três horas é a hora dos ladrões e que ladrão lhe rouba a sua luzinha? - ficou só na cama escura. Não há passos na calçada, não há vento, o pessegueiro recolheu os galhos. O marido dorme a seu lado, mas ficou só. Dormem em sossego, não os ouve e reza para que não estejam mortos nas camas. Nem sequer pode chamá-los... Era doença o simples bater apressado do coração? Tem tanto medo que se senta na cama, a mão na boca: Por favor, Senhor. Não agora, não no escuro!
O marido, quem sabe, soprara o lume, antes de se deitar. Ou fora o camundongo que afundara o pavio, para beber gulosamente o azeite? O mesmo bichinho que agora roía o forro: alguém mais está acordado no mundo. Rói, ratinho, é a súplica da mulher. Não direi nada ao meu marido. Você seria preso numa ratoeira, então eu ficaria só. Rói, meu ratinho. Rói, por favor...
Põe-se a escutar, além do ratinho, e lá na cozinha, as gotas de água pingando no filtro. Disparam as gotas cada vez mais depressa: é seu coração. Acima de todos os sons da noite repercute, mais alto, o coração. O bichinho para de roer e fica, orelhas em pé, assistindo a mulher morrer.
Ela sente que a crise tinha passado quando entende novamente o camundongo. Pode chorar, não há mais perigo. Que as lágrimas enxuguem por si – e ela fica, de olhos fechados, a espreita dos pardais do crepúsculo. Ergue-se da cama e vai, tateando a parede, até a cômoda. Riscando um fósforo depois de outro, acende a lamparina.
No criado mudo está o remédio, a colher e o copo de água. Depois que alumia a lamparina e toma suas gotas, nada pode fazer senão esperar os pardais, vigiando o clarão trêmulo do copo. Geme sem querer, pois o marido resmunga:
 Você não para de gemer?
 Sinto uma dor no coração...
 Você com essas dores.
A voz chega-lhe de longe, fala de costas para ela.
 Queria que você passasse a mão nos meus cabelos...
O marido ouve: … “a mão nos meus cabelos”, e ressona.
Aquela noite estava salva: a luz brilhava no copo. O marido e os filhos dormiam. O galho do pessegueiro bateu à janela: Estou aqui, eu, bem desperto...
Ela precisava de mais um dia para concluir o trabalho. Era fácil dar os vestidos e os sapatos, quem havia de querer um pano bordado pela metade? Cabeceava, sentada na cama, o ratinho saciado não roía o forro, a água não gotejava no filtro, os pardais dormiam entre as folhas. Com o inverno caem as folhas do pessegueiro, os pardais hão de voar para longe. Se eles voarem, ó meu Deus, quem a despertará de sua morte?
Dalton Trevisan, in Novelas nada exemplares

Acerca dos estudos

"Os estudos servem para deleite, ornamento e proficiência. Para deleite, são principalmente usados na vida íntima e retirada; para ornamento, nos discursos; e para proficiência, no exame e resolução de negócios. Os homens experientes estão capacitados a decidir, ou opinar sobre casos isolados; mas os conselhos genéricos, o planeamento e condução de negócios, cabem antes aos proficientes. Gastar tempo demasiado em estudos é indolência; abusar deles como ornamento é afetação; julgar apenas de acordo com os seus preceitos é coisa de escolástico.
Os estudos aperfeiçoam a natureza e são aperfeiçoados pela experiência, porquanto os dotes naturais são como as plantas: devem ser cultivados mediante o estudo. Outrossim, quando não estão vinculados à experiência, os estudos fornecem diretivas a esmo. Os homens hábeis desprezam os estudos, os simples admiram-nos, e os sábios utilizam-nos. Os estudos não ensinam o seu próprio uso; esta é uma sabedoria independente e superior a eles, que vem da observação."
Francis Bacon, in Ensaios Civis e Morais

Estranheza

Os vivos e os mortos
Sempre tivemos uma coisa em comum:
Não acreditamos muito uns nos outros.
Mário Quintana

Nossos defeitos

“Apenas confessamos os pequenos defeitos para persuadir os outros de que não temos grandes.”
La Rochefoucauld

Como cada indivíduo vê o mundo

“Cada indivíduo vê o mundo - e o que este tem de acabado, de regular, de complexo e de perfeito - como se se tratasse apenas de um elemento da Natureza a partir do qual tivesse que constituir um outro mundo, particular, adaptado às suas necessidades. Os homens mais capazes tomam-no sem hesitações e procuram na medida do possível comportar-se de acordo com ele. Há outros que não se conseguem decidir e que ficam parados a olhar para ele. E há ainda os que chegam ao ponto de duvidar da existência do mundo.
Se alguém se sentisse tocado por esta verdade fundamental, nunca mais entraria em disputas e passaria a considerar, quer as representações que os outros possam fazer das coisas, quer a sua, como meros fenômenos. Porque de fato verificamos quase todos os dias que aquilo que um indivíduo consegue pensar com toda a facilidade pode ser impossível de pensar para um outro. E não apenas em relação a questões que tivessem uma qualquer influência no bem estar ou no sofrimento das pessoas, mas também a propósito de assuntos que nos são totalmente indiferentes.”
Johann Wolfgang von Goethe, in Máximas e Reflexões

domingo, 27 de janeiro de 2013

Noite do Vinil (Vinil na veia)

O meu amigo Élder Lima me presenteou, no ano passado em Pau dos Ferros, com cerca de 100 LPs, alguns raríssimos. Para desfrutá-los, tinha que ter uma vitrola (radiola). Num processo de garimpagem por todas as oficinas de eletrônicas de Mossoró - e num golpe de sorte -, Adquiri uma Gradiente na semana passada.
A Primeira audição pública da minha vitrola Gradiente foi sexta, 25, à noite. Além da minha coleção de vinil, Caio Muniz trouxe o seu baú, além de alguns exemplares do meu vizinho Chorão. Quem veio adorou, pois o que se ouviu foi música que não se ouve mais, ou seja, a boa música.










Razão

“Dois excessos: excluir a razão e admitir apenas a razão.”
Blaise Pascal

Um tributo a Oscar Niemeyer, por Eduardo Kobra

A cidade de São Paulo presta homenagem ao arquiteto Oscar Niemeyer com um mural enorme na Avenida Paulista pintado pelo artista e muralista Eduardo Kobra, com a ajuda de outros quatro artistas ao longo dos últimos dez dias. O mural em homenagem a Niemeyer, que faleceu em dezembro passado, com a idade de 104, é de 52 metros de altura e 16 metros de largura, ocupando quase toda uma fachada de um prédio de 18 andares, na Praça Oswaldo Cruz.




Fonte: www.tumblr.com

Vendo claramente o vazio

“Estou sentindo uma clareza tão grande que me anula como pessoa atual e comum: é uma lucidez vazia, como explicar? assim como um cálculo matemático perfeito do qual, no entanto, não se precise. Estou por assim dizer vendo claramente o vazio. E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior do que eu mesma, e não me alcanço. Além do quê: que faço dessa lucidez? Sei também que esta minha lucidez pode-se tornar o inferno humano — já me aconteceu antes. Pois sei que — em termos de nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade — essa clareza de realidade é um risco. Apagai, pois, minha flama, Deus, porque ela não me serve para viver os dias. Ajudai-me a de novo consistir dos modos possíveis. Eu consisto, eu consisto, amém.”
Clarice Lispector

Borboletas e jardim

“O segredo é não correr atrás das borboletas. É cuidar do jardim para que elas venham até você.”
Mário Quintana

Satisfação de triunfar

Imagem: Google

“A vantagem de um longo treino e duma escrupulosa concentração no futuro: na hora das realizações estabelece-se um estado sonambúlico intermediário entre o fazer e o deixar fazer, entre o agir e o ser objeto de ação. Isso requer tanto menos atenção quanto é certo que, a maior parte das vezes, a realidade exige de nós muito menos do que imaginamos e, assim, encontramo-nos um pouco na situação do homem que, armado até aos dentes, ao travar uma luta, não tem necessidade, para vencer, senão de manejar ligeiramente uma única peça do seu arsenal. Com efeito, quem liga importância a si mesmo exercita-se no que é mais difícil para se tornar cada vez mais destro no que é fácil e poder ter a satisfação de triunfar, usando dos meios mais delicados e discretos. Ele repele, aliás, os expedientes grosseiros e selvagens, não se resolvendo a usá-los senão em casos de força maior.”
Thomas Mann, in As Confissões de Félix Krull

sábado, 26 de janeiro de 2013

Em livro, Assange dispara contra governos, Google e Facebook

Julian Assange fala do balcão da embaixada do Equador em Londres, onde está refugiado desde junho passado
Leon Neal/France Presse

Cuidado: você está sendo vigiado e manipulado. Essa é a mensagem que fica da leitura de "Cypherpunks, Liberdade e o Futuro da Internet", novo livro de Julian Assange.
Criador e editor-chefe do polêmico WikiLeaks, grupo que revelou documentos secretos dos EUA, Assange, 41, está há mais de seis meses na Embaixada do Equador em Londres. Apesar de ter obtido asilo político no país sul-americano, ele é ameaçado de prisão pelo Reino Unido caso deixe a missão diplomática.
"Cypherpunks" diz respeito a um movimento que defende o uso da criptografia (a comunicação por códigos) na internet como forma de garantir privacidade e escapar dos controles de governos e corporações. O livro reproduz um debate entre Assange e três companheiros ocorrido em 20 de março de 2012, quando o jornalista australiano estava em prisão domiciliar no Reino Unido.
"É preciso acionar o alarme. Esse livro é o grito de advertência de uma sentinela na calada da noite", escreve Assange na introdução.
Google, Facebook, Amazon, cartões de crédito, governo dos EUA: a metralhadora giratória do texto ataca poderes políticos e econômicos e faz parecer brincadeira de criança a imaginação de George Orwell.
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O chapéu

Planejei meticulosamente o assassinato de Manoel Soares. Podia fazê-lo com as próprias mãos; preferi, porém, contratar um pistoleiro.
Para que Isabel não sofra, ou não sofra tanto, é imprescindível  tirá-lo do caminho. Se eu próprio o matasse, o complexo de culpa iria atormentá-la, tornando impossível o grande e mais intenso amor de sua vida, fogo em que se tem consumido lentamente (emagrece e chora em silêncio, tem os olhos ardidos e o corpo trêmulo), e entre um gemido e outro de prazer  eles haveriam de ouvir seu riso sarcástico e maldoso.
Mas pra eliminá-lo da face da terra, arrancá-lo da cidade como se fosse uma erva maldita, foi preciso antes que eu o odiasse. Por isso, dia após dia – somos colegas de repartição -, procurei descobrir nele atitudes dissimuladas, falsidades, orgulho, mesquinharias que dessem motivação para levar adiante o meu intento. O ódio foi se  alimentando do conhecimento. Hoje pela manhã atingiu o limite máximo quando entreguei ao pistoleiro a quantia estipulada para o crime.
– Exatamente às vinte horas, todas às noites, ele sai de seu apartamento à rua G, prédio 203. Hoje é segunda-feira, portanto estará vestido de calça de linho branco, camisa azul-marinho e chapéu de feltro. Preste atenção ao chapéu. É um dos últimos homens a usá-lo nesta cidade. Atire assim que atravessar a porta de vidro do edifício.
O pistoleiro recuou e, sem dizer sequer uma palavra, saiu da sala.
Os muitos anos de convívio, e o plano longamente arquitetado, me possibilitaram conhecer todos os hábitos de Manoel Soares. Sim, não há possibilidade de engano. Exatamente às vinte horas estará na calçada, tirará o chapéu e baterá com a mão no feltro, como que a retirar o pó, olhará indeciso para ambos os lados e, enfim, optará pelo direito, caminhará quarenta e cinco minutos, ora fumando, ora assobiando  uma velha canção portuguesa, e depois retornará ao apartamento. Suponho que antes de dormir mergulhe a dentadura postiça num copo d'água, displicentemente.
Hoje, durante o expediente, surpreendi-o agitado em diversas circunstâncias, esfregando as mãos com impaciência. Duas ou três vezes foi ao banheiro, atitude totalmente inabitual.
Pressente alguma coisa? E se na hora H resolver não fazer o passeio? E se estiver com cólica? Um medo inconsciente? E se no exato momento passar pela rua um sujeito qualquer vestido de forma semelhante e o meu contratado disparar sobre um inocente?
Não. Absolutamente não é hora de pensar em tais possibilidades. Manoel Soares será assassinado dentro de cinco minutos. O relógio da sala avança para o instante fatal.
Vou apanhar o chapéu e descer de encontro à bala que me espera.
Charles Kiefer, in Antologia pessoal

O vero bem

Meu bem-amado Lucílio, conjuro-te a tomar o único partido que pode garantir a felicidade. Dispersa e pisoteia os esplendores de fora, as suas promessas, os seus lucros; volta o olhar para o vero bem; sê feliz mercê do teu próprio cabedal. Qual é esse cabedal? Tu mesmo, e a melhor parte de ti. Este pobre corpo esforça-se por ser nosso colaborador indispensável; considera-o antes um objecto necessário do que importante. Ele procura os prazeres vãos, breves, seguidos de descontentamento e destinados, se uma grande moderação não os tempera, a passarem para o estado oposto. Sim, sim, o prazer está à beira de um declive: inclina-se para o sofrimento quando deixa de observar o justo limite. Ora, observar tal limite é difícil em relação àquilo que se acreditou fosse um bem. O ávido desejo do verdadeiro bem não oferece risco algum.
Em que consiste o verdadeiro bem - quereis saber - e qual é a fonte de onde emana?
Eu to direi: é a boa consciência, as intenções virtuosas, as retas ações, o desprezo pelos eventos fortuitos, o desenvolvimento tranquilo e regular de uma existência que anda por um só caminho. Quanto a esses homens que vão de desejo em desejo, ou que, mesmo sem entusiasmo, a eles se deixam levar pelo acaso, como poderiam encontrar, eles que são tão hesitantes e indecisos, uma certeza, um ponto de apoio? São raros os que se guiam por conselhos e por eles administram os seus negócios. A maioria não tem um modo de proceder regular, mas deixa-se arrastar como os destroços que flutuam nos rios. Uns, retidos em águas tranquilas, são carregados brandamente; outros derivam ao sabor da corrente; eis este que a onda, perto da margem, nesta depôs languidamente; aqueles, presos no turbilhão, correm a se perder no mar. Temos, pois, de determinar qual deva ser o objeto do nosso querer, e a ele nos ater com perseverança.
Eis agora o momento de saldar a minha dívida. Vou-te pagar com um dito do teu caro Epicuro, que finalizará a carta de hoje:

É penoso estar sempre no começo da vida
Ou, se o pensamento ganhar maior relevo:
É viver mal começar sempre a viver.

- Como isso? - perguntas.
O dito reclama, com efeito, uma explicação. Uma vida assim é sempre imperfeita. Ora, não se pode estar pronto para morrer se apenas se começou a viver. Façamos como se tivéssemos sempre vivido bastante: esta condição, o homem que prepara com exatidão a trama da sua vida, não a cumpre.
Não penses que o caso se aplique a um pequeno número de pessoas; é quase que o de toda a gente. Alguns começam no momento em que é mister acabar. Tu te espantas? Eis algo com que te espantares ainda mais: alguns deixaram de viver antes mesmo de ter começado.
Sêneca, in Cartas a Lucílio

Virtudes

“Os defeitos de um homem se adequam sempre a seu tipo de mente. Observa seus defeitos e conhecerás suas virtudes.”
Confúcio

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Aprendi com o rei - Gilberto Gil


Onde quer que esteja
um fole de oito baixo
um zabumbeiro, um terreiro
Forrozeiro, opa! Ói eu no meio
Tô eu lá pelo meio
Pode ver que eu tô no meio
Não posso fazer feio, não, não
Isso eu aprendi com o rei!

Numa beira de estrada
Uma casa avarandada
Tapera mal caiada
Um ranchinho de esteio
Tô eu lá pelo meio
Pode ver que eu tô no meio
Não posso fazer feio, não, não
Isso eu aprendi com o rei.

Sanfoneiro que se preza é assim
Pra tocar não há lugar bom ou ruim
Se não tem cota, a gente leva na lorota
Mas um dinheiro sempre ajuda, companheiro
Opa! Vá deixando o meu aí
Ó! É dois pra lá e dois pra aqui
Opa! Dá licença, eu vou ali
Obrigado, tenho pressa, tem forró no Cariri.

Madrugada


Há coisas e fatos – aquela viagem, por exemplo – que permanecem para sempre como um símbolo; condicionam um conhecimento mais profundo do mundo, sobretudo de nossa própria essência. Creio que até então estivera perdido o tempo todo. Súbito, a consciência desse estado. E, no entanto, naquela noite que antecedeu a partida, ali no cabaré, diante de Albérico e da mulher, tomando cerveja e ouvindo música, jamais poderia supor que 'aquilo' acontecesse – ou melhor: que já estivesse determinado pela vida.
- Vamos embora – convidou Albérico.
Saímos para a noite morna, as ruas vazias àquela hora, nossos passos no calçamento espantando o silêncio. Estivemos em mais dois ou três lugares, nem me recordo bem. No Pina, onde comemos peixe cozido e pirão; depois, num daqueles 'dancings' quase à beira-mar, com suas prostitutas e marinheiros, homens e mulheres corroídos pelo tédio. Já madrugada regressamos ao centro. O alvorecer começava a rondar os telhados. Não valeria a pena ir dormir para acordar uma hora depois. Então, atravessamos a ponte, na direção do Cais do Apolo, e nos sentamos no paredão do Capibaribe, à sombra de velhos e enegrecidos armazéns.
Sentia-me cansado. Da vida, de mim mesmo. Quarenta anos. Que fizera, que sentido tinha minha existência? Vivera o quotidiano, o supérfluo.
Não, apesar da insistência, não levei a mulher. Por que iria levá-la, que representaria para mim sua companhia?
Digo-lhe: uma mulher como qualquer outra.
Mas nada disso tem importância. Não, não é bem isso que quero dizer. Tudo na vida tem importância: a pedra, o bicho, a árvore, o homem – mesmo que ele não conheça o amor.
Tudo aconteceu, pelo menos para mim. Isto: vivi a minha verdade.
José Condé, in Vento do amanhecer em Macambira (3° capítulo)

Superstição

Imagem: Google

 As almas, como as flores, no lugar
 Em que viveram deixam, longamente,
 Sua íntima essência errando no ar,
 Numa vaga fluidez reminiscente...

 Vede essas velhas casas que, a passar
 Pelos olhos do tempo indiferente,
 Foram o sereníssimo ambiente
 De uma longa história familiar!...
 Há no seu gênio obscuro, misteriosas
 Influências humanas, insensíveis
 Contágios de alma que não percebemos,
 Frias fatalidades traiçoeiras
 Adormecidas no silêncio antigo...

 Exalam do segredo das entranhas
 Forças sutis e sugestões estranhas
 Que nos descem ao fundo dos sentidos
 E se vão infiltrando, lentamente,
 Na alma dos visitantes distraídos...

Ao lhes transpormos as sombrias portas,
Nunca sabemos o que nos espera
Nesses tristes jardins de sombras mortas
Fantasmas de uma antiga primavera...
Dentro tudo morreu... mas, presa a um fio Intangível,
Uma vida fantástica, invisível
Vive em essência no ar sonâmbulo e vazio...

As almas, como flores, no lugar
Em que viveram deixam, longamente,
A sua exalação errando no ar,
Numa vaga fluidez reminiscente...
Raul de Leoni

Vontade

“Há uma força motriz mais poderosa que o vapor, a eletricidade e a energia atômica: a vontade.”
Albert Einstein

Cafezinho

Leio a reclamação de um repórter irritado que precisava falar com um delegado e lhe disseram que o homem havia ido tomar um cafezinho. Ele esperou longamente, e chegou à conclusão de que o funcionário passou o dia inteiro tomando café.
Tinha razão o rapaz de ficar zangado. Mas com um pouco de imaginação e bom humor podemos pensar que uma das delícias do gênio carioca é exatamente esta frase:
- Ele foi tomar café.
A vida é triste e complicada. Diariamente é preciso falar com um número excessivo de pessoas. O remédio é ir tomar um "cafezinho". Para quem espera nervosamente, esse "cafezinho" é qualquer coisa infinita e torturante. Depois de esperar duas ou três horas dá vontade de dizer:
- Bem cavaleiro, eu me retiro. Naturalmente o Sr. Bonifácio morreu afogado no cafezinho.
Ah, sim, mergulhemos de corpo e alma no cafezinho. Sim, deixemos em todos os lugares este recado simples e vago:
- Ele saiu para tomar um café e disse que volta já.
Quando a Bem-amada vier com seus olhos tristes e perguntar:
- Ele está? - alguém dará o nosso recado sem endereço. Quando vier o amigo e quando vier o credor, e quando vier o parente, e quando vier a tristeza, e quando a morte vier, o recado será o mesmo:
- Ele disse que ia tomar um cafezinho...
Podemos, ainda, deixar o chapéu. Devemos até comprar um chapéu especialmente para deixá-lo. Assim dirão:
- Ele foi tomar um café. Com certeza volta logo. O chapéu dele está aí...
Ah! fujamos assim, sem drama, sem tristeza, fujamos assim. A vida é complicada demais. Gastamos muito pensamento, muito sentimento, muita palavra. O melhor é não estar.
Quando vier a grande hora de nosso destino nós teremos saído há uns cinco minutos para tomar um café. Vamos, vamos tomar um cafezinho.
Rubem Braga, in O conde e o passarinho & Morro do isolamento

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O conhecimento dos corpos sem GPS

Caríssimo Xico,

Não é por estar na sua presença, meu prezado rapaz, mas você vai bem, você vai bem demais com essa gostosona que te acometeu assim, sem mais, logo na véspera de nossa correspondência. Quem mo dera tamanha sorte e assunto para manter atenta a plateia desta exibição digital entre o repentista pernambucano e o fadista lusitano, os dois empenhados em desvendar o que vai por trás – é esse mesmo o assunto que nos move a correspondência? – das portas de seus cafofos.
Esse negócio de bater porta me lembra a música do Lupicínio, aquela do “eu estou lhe mostrando a porta da rua pra que você saia sem eu lhe bater”, mas definitivamente não é dela que estamos falando. Também não estamos falando aqui da porta do Jack Nicholson. Investigado por um delegado de Hollywood sobre por que pagava garotas de programas, se ele podia ter as mulheres que quisesse, Jack foi sincero: “Eu não pago pra elas transarem comigo, doutor, eu pago pra em seguida elas baterem a porta e saírem de cena”.
Estamos bem na batida das portas, meu bom Xico, e olha que a última vez que eu abri a minha, fi-lo com muita desconfiança. Somos leitores de Drummond, sabemos muito bem que o amor bate na porta, o amor bate na aorta, mas quem não tiver cuidado, como foi o caso do poeta, acaba se constipando. Eu tenho pegado leve com esse negócio de mulher batendo a porta. Já vi porta rangendo os dentes e aos gritos de “nunca mais, paspalhão”. Também já vi porta servindo de cama. Você, como sempre, foi na mosca. Há quem leia o destino na borra do café, há quem leia o futuro no cocô do passarinho. Nada contra, mas é na batida da porta que está o segredo do amor.
De nada me queixo, Xico, mas não por acaso há uma meia dúzia de meses troquei de porta. Comprei uma dessas com fechadura de senha. Coloquei no segredo o nome de uma mulher só e disse o código só pra ela. Temos ido bem nesse pacto. É o nosso Rosebud. Essa mulher acabou de sair daqui e, pelo jeito que bateu a porta, acho que voltará muitas outras vezes e, se Deus quiser, me fará o pão doce em que é mestra, o beijo de lichia em que é rainha. A propósito, ela mandou um salamaleque de boas-vindas para a sua gostosona e, com aquele sorriso branco que acomete os anjos negros, disse que quer medir forças.
Enfim, querido Xico, eu tenho estado muito otimista com esse movimento da minha porta, o abre-te-Sésamo que instalei para controlar a portaria do meu ainda há pouco tão esculhambado condomínio amoroso – e isso literariamente pode não ser bom. Você sabe. O amor quando dá certo não rende manchete de jornal nem crônica que provoque milhões de compartilhamentos no blog do instituto. Com toda sinceridade, Xico. Sopra uma brisa vinda da praia de Ipanema, vejo umas garças sobrevoando a Lagoa. Eis as notícias deste balneário.
Eu já pude escrever, tinha o assunto mas me faltava o talento, essa nova música do Caetano, de que o lugar mais frio do Rio é o seu quarto. Troquei o disco. Ando mais para aquele texto do Rubem Braga, “Os amantes”, em que o casal tranca-se durante uma semana no apartamento e devota-se às causas mais urgentes da espécie. O beijo de boca grossa, cheio de cacófato, sem pressa. O conhecimento dos corpos sem GPS, os dedos se deixando perder em cada curva do caminho.
Desculpe se o decepciono, grande Xico, mas hoje não tem Antonio Maria, aquele que inchou até explodir o coração no uísque mais vagabundo, aquele que teve a tristeza de encontrar a ex-amada no meio da rua e lhe perguntar, fingindo-se banal, como ia a saúde dela. Quer pior?
Outro dia, numa dessas rápidas saídas em que fui investigar como estão as coisas, para ter o que noticiar no jornal, passei por um colega nosso, desses que ganham a vida escrevendo sobre o que vai no moderno da alma feminina. O homem estava um trapo. Rosto amassado, batia boca com a mulher no meio da calçada. Eu fiz o elegante. Apressei o passo, abaixei o rosto para que ele não me visse e fui em frente, a tempo, no entanto, de ouvi-lo num lamentável “assim não dá”.
Assim não dá, digo eu, baixinho, e deixo o amor soltando os cachorros lá fora. Digito o nome dela na fechadura da porta e ponho-me aqui dentro, Dave Brubeck martelando a tecla do piano com o “Blue Rondo a la Turk”. Hoje não tem a Amália Rodrigues de costume, os xales negros de sempre, e as ameaçar de “você me paga, sua bandida”, com os punhais envenenados no peito das traidoras. Hoje não tem pé na bunda, meu bom Xico, nem boletim de ocorrência na delegacia mais próxima. Pega a tua gostosona daí, eu pego a minha daqui. Amaralina é longe. Vamos viver de brisa aqui na Ipanema da esquina.
Abraços e aquela simpatia carioca que, você sabe, é quase amor.
Joaquim
Joaquim Ferreira dos Santos, in www.blogdoims.com.br

Ver com os próprios olhos, sentir com o próprio coração

“É reduzido o número daqueles que veem com os seus próprios olhos e sentem com o próprio coração. Mas da sua força dependerá que os homens tendam ou não a cair no estado amorfo para onde parece caminhar hoje uma multidão cega.
Quem dera que os povos vissem a tempo, quanto terão de sacrificar da sua liberdade para escapar à luta de todos contra todos! A força da consciência e do espírito internacional demonstrou ser demasiado fraca. Apresenta-se agora superficialmente enfraquecida para consentir a formação de pactos com os mais perigosos inimigos da civilização. Existe, assim, uma espécie de compromisso, criminoso para a Humanidade, embora o considerem como sabedoria política.
Não podemos desesperar dos homens, pois nós próprios somos homens.”
Albert Einstein, in Como Vejo o Mundo