quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Metáfora, com Gilberto Gil


Uma lata existe para conter algo
Mas quando o poeta diz: "Lata"
Pode estar querendo dizer o incontível
Uma meta existe para ser um alvo
Mas quando o poeta diz: "Meta"
Pode estar querendo dizer o inatingível
Por isso, não se meta a exigir do poeta
Que determine o conteúdo em sua lata
Na lata do poeta tudo nada cabe
Pois ao poeta cabe fazer
Com que na lata venha caber
O incabível
Deixe a meta do poeta, não discuta
Deixe a sua meta fora da disputa
Meta dentro e fora, lata absoluta
Deixe-a simplesmente metáfora.

Cartas perto do coração: Clarice Lispector e Fernando Sabino


Washington, 25 setembro 1954, sábado.

Fernando,
estou com a impressão meio inventada de que você ficou zangado quando eu disse pelo telefone que não queria que você fosse ao aeroporto. Você ficou de telefonar à 1:30, e não telefonou. Fiquei amolada com a minha falta de cortesia, respondendo à sua gentileza com uma sinceridade ou franqueza que ninguém usa. Você gentilmente mostrou intenção declarada ou vaga de ir ao aeroporto, e eu, que tanto faço questão de não usar a alma na vida diária, pois é até de mau gosto, disse que não. Eu já lhe expliquei o motivo da minha rudeza -o que não a justifica- e explicarei de novo.
Para mim, sair do Brasil é uma coisa séria e, por mais ‘fina’ que eu queira ser, na hora de ir embora choro mesmo. E não gosto que me vejam assim, embora se trate de lágrima bem-comportada, de lágrima de artista de segundo plano, sem permissão do diretor para arrumar os cabelos… Não é por vaidade de rosto que não gosto que me vejam de olhos vermelhos, é por uma vaidade que, por ser menos frívola, é muito mais pecado: é por orgulho ou altivez ou seja lá o que for -enfim, vaidade mais grave.
Depois, também, eu me encabulo de estar sempre chegando e indo embora, o que obriga os amigos a um movimento em torno de mim, um movimento que às vezes nem cabe direito na vida deles. Então procuro dispensar a gentileza dos amigos, e facilitar a vida diária de cada um que já é bastante cheia e complicada sem uma ida ao aeroporto. Maury diz que eu costumo ter reações pessoais a coisas chamadas ‘de praxe’. Parece que é mesmo verdade. Parece que eu seria capaz de pedir sinceramente a alguém que não apanhasse minha luva caída no chão para não amolar esse alguém, sem entender que incômodo é não apanhá-la, que incômodo é não fazer o que é ‘de praxe’. (O exemplo da luva é só para exagerar, até que deixo apanharem minhas luvas, senão perderia todas…)
Quanta explicação! E provavelmente você nem ficou zangado com minha descortesia, provavelmente você não telefonou depois porque estava ocupado. É o que espero que tenha acontecido. Esperando também que você não ria das tolas e inúteis complicações de sua amiga.
Clarice



Rio, 19 de outubro de 54.

Clarice,
Suas ‘complicações’ não são tolas, mas inúteis. É verdade que você não precisa absolutamente se preocupar, não fui ao aeroporto porque você não queria e então acabou-se, e não telefonei porque na hora deve ter acontecido alguma coisa de que já não me lembro, e depois você já não estava. Mas valeu o desencontro porque forçou uma carta tão boa que parecia uma carta de Mário de Andrade e isso é elogio. Respondo agora me forçando um pouco (são 2 horas da manhã, me prometi não passar de hoje) pois quero ver se venço essa minha inércia mental com relação a cartas. Tanto mais que sinto necessidade real de escrever a você e vou deixando passar, talvez porque inconscientemente julgue que nada de importante tenho a lhe dizer, você sempre mereceria mais do que atualmente sou capaz de dizer numa carta. E sei como são importantes as notícias para quem está no estrangeiro.
Infelizmente não tenho nenhuma a dar, senão que tudo vai indo na mesma e se as coisas mudam é porque nada precisamos fazer para que mudem. Nada tenho feito e no entanto várias coisas mudaram. Não me mudei; continuando morando no mesmo lugar, para onde você tem a partir deste momento a obrigação moral de escrever. Preciso do seu estímulo – o de alguém que, não vendo as coisas de perto, tem mais perspectiva. E prometo responder, farto de notícias. Creia-me, esta carta já é uma vitória para quem não sabe mais o que dizer. Só é sincero aquilo que não se diz – e nem isso é meu, li em alguma parte. Como você vê, isso para um escritor é estar no mato sem cachorro. Abrace por mim ao Maury e acredite sempre na amizade do seu
Fernando

Clarice Lispector e Fernando SabinoCartas perto do coração. Dois jovens escritores unidos ante o mistério da criação. 


"É preciso ter dúvidas. Só os estúpidos têm uma confiança absoluta em si mesmos."
Orson Welles

Guardados do sótão


Saí do teatro emocionado e pensando em escrever alguma coisa sobre a execução da nona de Beethoven. Sou assim: se me emociono as palavras começam a circular nas veias aquecidas. Cheguei a estudar piano até certa fase da adolescência, mas não me sinto competente para emitir juízos a respeito do desempenho de uma orquestra sinfônica. Era impossível resistir ao apelo das palavras que se amontoavam dentro da cabeça e pediam passagem. Por isso, quer dizer, pela opção que fiz pelo outro teclado, este aqui, não passo daqueles conceitos bem genéricos que qualquer amante da música erudita consegue emitir. 
Carregado por esses pensamentos fui parar ao lado do Aldo Obino. Não, você não deve conhecer o Aldo Obino. Mesmo em sua terra ele, como pessoa, não deve ter muitas memórias onde se abrigue. Hoje ele é nome de centro cultural, é nome de sala de jornal, mas no meu tempo de jovem, em Porto Alegre, Aldo Obino era o crítico de música erudita mais badalado da cidade. Era nossa referência. E escrevia no “Correio do Povo”, naquela época o principal jornal do Estado. Dizem que entendia muito e escrevia bem. E nós não perdíamos nada do que ele escrevesse. 
Certa ocasião, venderam-se ingressos para o concerto de Yara Bernetti, pianista de São Paulo e uma das melhores executantes de J. S. Bach a que tenho assistido. Nunca assisti à execução de uma fuga como a dela. Nosso grupo de fanáticos por Bach, que não era pequeno, aguardou a noite de sábado com ansiedade. Os jornais deram a biografia da pianista, a opinião de críticos nacionais e estrangeiros sobre ela, enfim, seu concerto era o que se podia chamar de imperdível. 
O Aldo Obino estava com viagem marcada para o interior do Estado, cumprindo compromisso familiar, e não seria por causa de um concerto que ele deixaria de cumprir com seus compromissos. Mas não podia permitir, por outro lado, que o evento passasse sem sua crítica. Posições são mantidas é assim, sem deixar espaços vazios. Conhecedor da Yara, como ele era, e, além disso, do programa, preparou o texto até com detalhes sobre a “memorável noitada de arte que tivemos” e “o brilho da execução”, deixou-o com um parente. O jornal já deixara o espaço medido e reservado. 
Na sexta-feira à tarde, o crítico viajou, para voltar apenas no meio da semana seguinte. No domingo de manhã, entretanto, lá estava, no Correio do Povo, o texto do Obino. E foi uma gargalhada monumental: meia hora antes do concerto, com o saguão lotado de ternos e longos, havia sido anunciada a hospitalização da pianista ou estava desabando um temporal sobre a cidade ou a energia elétrica tinha sofrido uma pane, não me lembro mais. Alguma coisa, entretanto, que provocara o cancelamento do concerto.   
E como a vida é um aprendizado que nunca termina, principalmente as falhas nos ensinam, sobretudo quando são dos outros, me pus a pensar: quantas vezes já não devo ter publicado opinião sobre concerto cancelado!
Menalton Braff, in www.revistabula.com

Tudo é fugaz

“Considera com frequência a rapidez com que se passam e desaparecem os seres e os acontecimentos. A substância, como um rio, está em perpétuo fluir, as forças em perpétuas mudanças, as causas a modificarem-se de mil maneiras; apenas há aí uma coisa estável; e abre-se-nos aos pés o abismo infinito do passado e do futuro onde tudo se some. Como não há-de ser louco o homem que, neste meio, se incha ou se encrespa ou se lamenta, como se qualquer coisa o tivesse perturbado durante um tempo que se visse, um tempo considerável?”
Marco Aurélio, in Pensamentos

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Mãos denhas



Jorro cachoeira e sangro
Vem livrai-me desse tombo
Tudo o que é meu é seu
Tudo o que é de deus é bom
Parece cantareira
Que vem do além de lá
O vento e a areia
Somam o mar
Sonham o mar
Parece e não parece
Que estou pensando em ti
Perfumes em mãos denhas
Sem aqui
Bem de si
Eu canto tuu, tudo, tudo, tuu
Eu canto tuu, tudo, tudo, tuu
(Texto incidental "Suor Caseiro":)
Qual letras que se veem a bordo da borboleta
Fui à luz e vi a tempo a tempestuosa escuridão
Acostumei-me ao comportamento natural das coisas
E então pedi ao amor uma companhia que mudasse o meu percurso
Entre a fresta do invisível e a ausência do merecido
Vi o que queria ver
Guardei uma gota para lavar-me o suor caseiro
E me fazer sonhar na viagem, pleno de ti
Não sei de onde vens, mas chegaste
Qual tetas que se leem lentas
Qual borboletas que estalam letras
Tangos
Mambos
Boleros
É deus a natureza
Cupido do amor
Quem deixa a lua acesa
Faz o sol ser calor
É muito o que te amo
Boleros mais terás
Enquanto escorrer das estrelas
Sobre a cidade
Pingos de mar
Jogo capoeira e jongo
Vem levar-me nesse tango
Mundo que é meu é seu
Tudo o que é de deus é bom.

Quase Nada 146

Quase Nada 146
Tira de Fábio Moon e Gabriel Bá, in 10paezinhos.com.br

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"Há diversos tipos de curiosidade: uma de interesse, que nos leva ao desejo de aprender o que nos pode ser útil, e outra, de orgulho, que provém do desejo de saber o que os outros ignoram."
Joseph Addison

Os nossos erros e o nosso destino

“Apercebo-me dos meus erros, mas não os corrijo. Isso só confirma que podemos ver o nosso destino, mas somos incapazes de o mudar. Apercebermo-nos dos erros é reconhecer o destino, e a nossa incapacidade para os corrigirmos é a força do destino. Apercebermo-nos dos erros é um castigo pesado. Seria muito mais fácil considerarmo-nos bons e culparmos os outros todos, encontrando consolação na ilusão da vitória sobre o destino. Mas mesmo essa felicidade não me é dada”. 
Alexander Puschkine, in Diário Secreto

O homem e sua hora

Quem fez esta manhã, quem penetrou
À noite os labirintos do tesouro,
Quem fez esta manhã predestinou
Seus temas a paráfrases do touro,
As traduções do cisne: fê-la para
Abandonar-se a mitos essenciais,
Desflorada por ímpetos de rara
Metamorfose alada, onde jamais
Se exaure o deus que muda, que transvive.
Quem fez esta manhã fê-la por ser
Um raio a fecundá-la, não por lívida
Ausência sem pecado e fê-la ter
Em si princípio e fim: ter entre aurora
E meio-dia um homem e sua hora.
Mário Faustino

Turing, criptógrafo

Turing, criptógrafo

O Reino Unido celebra este ano o centenário de nascimento de um de seus mais importantes cientistas do século 20: o matemático Alan Turing. Lembrado como um dos pais da computação, ele foi também o nome mais conhecido da equipe britânica que decodificou o sistema infernal de criptografia usado pela marinha alemã na Segunda Guerra Mundial: as máquinas Enigma.
Esses dispositivos eletromecânicos tinham uma série de rotores que permitiam embaralhar as letras com bilhões de combinações diferentes, de forma virtualmente indecifrável. O sistema foi usado comercialmente nos anos 20 e depois apropriado pelos militares para suas comunicações estratégicas. Eles acreditavam se tratar de um código impossível de ser quebrado.
Os primeiros a quebrar o sistema foram os poloneses liderados pelo matemático Marian Rejewski, no início dos anos 1930, num dos feitos mais importantes da criptografia do século 20. Sem que os alemães soubessem, os criptógrafos poloneses interceptaram e decifraram suas mensagens ao longo daquela década. Antevendo a iminência da guerra, eles dividiram suas informações com os ingleses e franceses – poucos dias depois, a Polônia foi invadida pela Alemanha.
A informação foi essencial para que o grupo de Alan Turing pudesse quebrar a Enigma naval, uma versão posterior mais complexa do sistema de cifragem. Com Gordon Welchman, Turing projetou a Bombe, uma máquina capaz de identificar os ajustes dos rotores usados na cifragem das mensagem pelos alemães. O grupo de criptoanalistas britânicos trabalhou em Bletchley Park, 80 km a noroeste de Londres. No mesmo lugar, funciona hoje o Museu Nacional da Computação e o Centro Nacional de Códigos, um museu de criptografia que abriga uma coleção de máquinas Enigma.
Embora seja hoje amplamente reconhecido por seus feitos para a computação e a criptografia, Alan Turing teve um fim melancólico. Em 1952,  foi condenado por manter um relacionamento homossexual – considerado um crime no Reino Unido naquela época. Foi obrigado a se submeter a uma ‘organoterapia’ – eufemismo para castração química. Suicidou-se dois anos depois, aos 41, envenenado por cianureto.
Em 2009, o então primeiro-ministro Gordon Brown disse que o matemático recebera um tratamento “aterrorizante” e “totalmente injusto”. Sua condenação, no entanto, foi mantida. Na semana passada, o Reino Unido perdeu a oportunidade de anistiar um de seus maiores heróis científicos, quando a Câmara dos Lordes rejeitou um pedido de perdão póstumo a Alan Turing, possivelmente para não ter que estender o benefício a outros cidadãos. O abaixo-assinado eletrônico cobrando do governo o perdão a Turing já tem mais de 30 mil adesões.
Bernardo Esteves, in Revista Piauí

"Os verdadeiros artistas e criadores constituem sempre contragovernos, governos nas sombras a partir das quais vão impugnando as certezas, as retóricas, as ficções ou verdades oficiais e recordando, no que pintam, compõem, interpretam ou fabulam que, contrariamente ao que sustém o poder, o mundo vai muito mal, e que a vida real estará sempre abaixo dos sonhos e dos desejos humanos."
Mario Vargas Lhosa

Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo

“Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca me entenderam. Até os mais próximos, os mais amigos, me cravaram na hora própria um espinho envenenado no coração. A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. É claro que nunca um panorama me interessou como gargarejo. É mesmo um favor que peço ao destino: que me poupe à degradação das habituais paneladas de prosa, a descrever de cor caminhos e florestas. As dobras, e as cores do chão onde firmo os pés, foram sempre no meu espírito coisas sagradas e íntimas como o amor. Falar duma encosta coberta de neve sem ter a alma branca também, retratar uma folha sem tremer como ela, olhar um abismo sem fundura nos olhos, é para mim o mesmo que gostar sem língua, ou cantar sem voz. Vivo a natureza integrado nela. De tal modo, que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espetáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno. Bem sei que há gente que encontra o mesmo universo no jogo dum músculo ou na linha dum perfil. Lá está o exemplo de Miguel Angelo a demonstrá-lo. Mas eu, não. Eu declaro aqui a estas fundas e agrestes rugas de Portugal que nunca vi nada mais puro, mais gracioso, mais belo, do que um tufo de relva que fui encontrar um dia no alto das penedias da Calcedónia, no Gerez. Roma, Paris, Florença, Beethoven, Cervantes, Shakespeare... Palavra, que não troco por tudo isso o rasgão mais humilde da tua estamenha, Mãe!”
Miguel Torga, in Diário (1942)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Sapato velho


Vincent Van Gogh, A pair of shoes, 1886, óleo sobre tela, 37.5 X 45 cm

Não há nada que dure mais do que um sapato velho
Jogado fora.
Fica sempre carcomido.
Ressecado, embodocado,
Saliente por cima dos monturos.
Quanto tempo!
Que de chuva, que de sol,
Que de esforço, constante, invisível,
Material, atuante,
Silencioso, dia e noite,
Precisará um calçado, no lixo,
Para se decompor absolutamente,
Se desintegrar quimicamente
Em transformações de humo criador?

Cora Coralina, in Poemas dos becos de Goiás e estórias mais

O Microcosmos de Brandon Broll

esferagrafica-Brandon-broll-08.jpg
Formica fusca segura um microchip


Microcosmos é um trabalho compilado por Brandon Broll que mergulha o leitor num mundo escondido, ínfimo.
A fotografia apresentada em "Microcosmos" é conseguida através da técnica de microscopia eletrônica de varrimento (ou varredura) e alguns dos temas fotografados são ampliados numa magnitude que, em alguns casos, chegou a 22 milhões de vezes!
Ficam algumas das imagens publicadas neste gigante livro onde se incluem mais de 200 fotografias.
O desafio que lhe proponho - ao qual pessoalmente nunca resisto - é que tente perceber do que se trata antes de ler a legenda. Ficará, em muitos casos, surpreendido.

O Microcosmos de Brandon Broll
Bactérias na superfície de uma língua humana

O Microcosmos de Brandon Broll
Pestanas irrompem através da pele humana

O Microcosmos de Brandon Broll
Cabeça de um mosquito

O Microcosmos de Brandon Broll
Pó doméstico. Inclui cabelos, pêlo de gato, fibras sintéticas, restos de insetos, etc.


O Microcosmos de Brandon Broll
Pediculus humanus (piolho) agarrado a um cabelo

O Microcosmos de Brandon Broll
Barba e espuma de barbear entre duas lâminas


O Microcosmos de Brandon Broll
Aspergillus fumigatus, fungo presente no ar atmosférico e habitante da mucosa das vias respiratórias humanas


Fonte: obviousmag.org



Liberdade, com Marcelo Camelo e Paulinho Moska



Perceber aquilo que se tem de bom no viver é um dom
Daqui não, 

Eu vivo a vida na ilusão
Entre o chão e os ares, 

Vou sonhando em outros ares, vou
Fingindo ser o que eu já sou, 

Fingindo ser o que já sou
Mesmo sem me libertar, eu vou.
É, Deus, parece que vai ser nós dois até o final
Eu vou ver o jogo se realizar de um lugar seguro, seguro
De que vale ser aqui
De que vale ser aqui 

Onde a vida é de sonhar?
Liberdade.

"Se a natureza não é contra nós, também não é por nós."
Hermann Melville

Como lidar com a adulação

“Não quero deixar de abordar uma questão que reputo de importante e um erro do qual os príncipes com dificuldade se guardam, se não são prudentes ou se não têm cuidado nas escolhas que fazem. Trata-se dos aduladores, espécie de que as cortes se encontram cheias. É que os homens comprazem-se de tal modo com as coisas que lhes dizem respeito e de um modo tão ilusório, que só muito dificilmente se precavem contra esta peste. E querendo precaver-se, corre o risco de se tornar desprezível. Porque não tendes outro modo de vos protegerdes da adulação a não ser logrando convencer os outros homens de que vos não ofendem dizendo a verdade. Todavia, quando alguém vos diz a verdade, sentis a falta da reverência.
Consequentemente, um príncipe prudente deve dispor de uma terceira via, escolhendo no seu estado homens sábios, devendo só a esses conceder livre arbítrio para lhe falarem verdade. E, apenas, sobre as coisas que lhes perguntardes, não de outras. Mas deve fazer perguntas sobre todas as coisas, ouvir as suas opiniões e, depois, decidir por si próprio, a seu modo. E com estes conselhos e com cada um dos conselheiros, portar-se de maneira que cada um deles perceba que, quanto mais livremente falar, tanto mais será pelo príncipe bem aceite. Fora disto, não dar ouvidos a ninguém, cumprindo com determinação as suas deliberações. Quem procede de maneira diferente, ou se deixa perder nas mãos dos aduladores ou está constantemente a mudar de opinião, conforme os pareceres que ouve, empobrecendo a estima que lhe é tributada”.
Nicolau Maquiavel, in O Príncipe

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vídeo tilt-shift faz Rio de Janeiro virar cidade em miniatura


Confira este vídeo de seis minutos que captura a beleza do Rio de Janeiro: as praias, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar e até mesmo o Carnaval na Sapucaí. Mas tem um detalhe: tudo parece ser miniatura. Os prédios e morros parecem maquetes, e as pessoas parecem bonecos. Só que tudo é bem real.
O vídeo é obra de Jarbas Agnelli, fundador da produtora brasileira AD Studio, e Keith Loutit, fotógrafo e cineasta australiano. Loutit é bastante conhecido por usar a técnica tilt-shift, que captura a realidade como se fosse miniatura – nós já mostramos dois de seus vídeos por aqui. O Twitter da AD Studio conta que “em 5 dias, durante o carnaval de 2011, Keith e Jarbas capturaram 167.978 fotos” para criar este vídeo. A trilha sonora foi feita por Jarbas, que “gravou em estúdio instrumentos de orquestra imitando os ritmos de um samba enredo”.
E como o vídeo transformou a Cidade Maravilhosa em miniatura? Usando fotografia tilt-shift, uma técnica que requer uma lente especial: a lente consegue se inclinar (“tilt”) e se deslocar (“shift”), movendo-se paralelamente ao plano da imagem. Com a inclinação (tilt) você controla o foco da imagem, embaçando as partes mais próximas e mais distantes da imagem – o que simula uma profundidade bem rasa. Com o deslocamento (shift), você ajusta a perspectiva da imagem, fazendo com que as coisas pareçam menores do que realmente são.
O ângulo pelo qual as imagens são capturadas também ajuda a criar esta ilusão de miniatura, fazendo você pensar que está vendo tudo de cima, como uma maquete numa mesa. E aumentando-se o contraste, obtendo assim sombras mais profundas, você é enganado ainda mais. Finalmente, o vídeo também usa a técnica de time-lapse – o que deixa o movimento das pessoas menos fluido e mais espasmódico, dando a impressão de ver bonecos se mexendo em stop-motion.
Fonte: www.gizmodo.com.br

Qadós


Andei no meio desses loucos, fiz um manto dos retalhos que me deram, alguns livros debaixo do braço e se via alguém mais louco que os outros, mais aflito, abria um dos livros ao acaso, deixava o vento virar as folhas e aguardava. O vento parou: eis o recado para o outro: sê fiel a ti mesmo e um dia serás livre. Prendem-me. Uma série de perguntas: qual é o teu nome? Qadós. Qa o quê? Qadós de quê? Isso já é bem difícil. Digo: sempre fui só Qadós. Profissão: Não tenho não senhor. Só procuro e penso. Procura e pensa o quê? Procuro uma maneira sábia de me pensar. Fora com ele, é louco, não é da nossa alçada, que se afaste da cidade, que não importune os cidadãos.
Hilda Hilst, In Ficções

Os arquivos de Albert Einstein

O Einstein Archives On-line é o maior acervo documental sobre um dos mais influentes intelectuais da era moderna, o físico e teórico alemão Albert Einstein, que se tornou mundialmente famoso pela formulação da teoria da relatividade. O banco de dados do projeto, que tem curadoria da Jewish National and University Library e Hebrew University of Jerusalem, permite o acesso a mais de 43 documentos das atividades de Einstein, divididos entre manuscritos raros, correspondência pessoal e profissional, cadernos, diários de viagem, notas e digramas. O acervo está disponível em 22 idiomas. Para acessar:http://www.alberteinstein.info/.

"Dizer que se vai amar uma pessoa a vida toda é como dizer que uma vela continuará a queimar enquanto vivermos."
Leon Tolstoi

Apenas nas crises atingimos as nossas profundezas

‘Tudo o que o nosso corpo faz, exceto o exercício dos sentidos, escapa à nossa percepção. Não damos conta das funções mais vitais (circulação, digestão, etc.). O mesmo se passa com o espírito: ignoramos todos os seus movimentos e transformações, as suas crises, etc., que não sejam a superficial ideação esquematizante.
Só uma doença nos revela as profundezas funcionais do nosso corpo. Do mesmo modo, pressentimos as do espírito quando estamos em crise”.
Cesare Pavese, in O Ofício de Viver

O estilo é um reflexo da vida

“Qual a causa que provoca, em certas épocas, a decadência geral do estilo? De que modo sucede que uma certa tendência se forma nos espíritos e os leva à prática de determinados defeitos, umas vezes uma verborreia desmesurada, outras uma linguagem sincopada quase à maneira de canção? Porque é que umas vezes está na moda uma literatura altamente fantasiosa para lá de toda a verossimilhança, e outras a escrita em frases abruptas e com segundo sentido em que temos de subentender mais do que elas dizem? Porque é que nesta ou naquela época se abusa sem restrições do direito à metáfora? Eis o rol dos problemas que me pões. A razão de tudo isto é tão bem conhecida que os Gregos até fizeram dela um provérbio: o estilo é um reflexo da vida! De fato, assim como o modo de agir de cada pessoa se reflete no modo como fala, também sucede que o estilo literário imita os costumes da sociedade sempre que a moral pública é contestada e a sociedade se entrega a sofisticados prazeres. A corrupção do estilo demonstra plenamente o estado de dissolução social, caso, evidentemente, tal estilo não seja apenas a prática de um ou outro autor, mas sim a moda aceite e aprovada por todos.
Não é possível o espírito ter uma tendência e a alma ter outra. Se a alma é sadia, senhora de si, severa e comedida, o espírito será igualmente grave e sóbrio; quando a alma é viciosa, o espírito também degenera. Não vês tu que, se a alma é débil, as pessoas arrastam o corpo e só a custo se movem? Que, se a alma é efeminada, até no modo de andar se nota essa moleza? Que, se ela é, pelo contrário, ardente e forte, a marcha se torna acelerada? Que ainda, no estado de loucura, ou de cólera (que, aliás, é um estado semelhante à loucura) o movimento do corpo se torna caótico, descontrolado, sem sentido definido? Todos estes sintomas se tornarão mais evidentes ainda no que concerne ao espírito, já que este está totalmente impregnado pela alma, da qual recebe a sua forma, à qual obedece, a cuja lei se submete”. 
Sêneca, in Cartas a Lucílio

Na sua estante, com Pitty



Te vejo errando e isso não é pecado,
Exceto quando faz outra pessoa sangrar
Te vejo sonhando e isso dá medo
Perdido num mundo que não dá pra entrar
Você está saindo da minha vida
E parece que vai demorar
Se não souber voltar ao menos mande notícias
"Cê" acha que eu sou louca
Mas tudo vai se encaixar
Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia
E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu
E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu
Você tá sempre indo e vindo, tudo bem
Dessa vez eu já vesti minha armadura
E mesmo que nada funcione
Eu estarei de pé, de queixo erguido
Depois você me vê vermelha e acha graça
Mas eu não ficaria bem na sua estante
Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia
E não adianta nem me procurar
Em outros timbres e outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu
E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu
Só por hoje não quero mais te ver
Só por hoje não vou tomar minha dose de você
Cansei de chorar feridas que não se fecham, não se
Curam (não)
E essa abstinência uma hora vai passar.