sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Hoje, Na Praça de Eventos, Nando Reis, Showzaço. Para aquecer, Luz dos olhos



Ponho os meus olhos em você
Se você está
Dona dos meus olhos é você
Avião no ar
Um dia pra esses olhos sem te ver
É como chão no mar
Liga o rádio à pilha, a TV
Só pra você escutar
A nova música que eu fiz agora
Lá fora a rua vazia chora?
Pois meus olhos vidram ao te ver
São dois fãs, um par
Pus nos olhos vidros para poder
Melhor te enxergar
Luz dos olhos para anoitecer
É só você se afastar
Pinta os lábios para escrever
A sua boca em minha?
Que a nossa música eu fiz agora
Lá fora a lua irradia a glória
E eu te chamo, eu te peço: Vem!
Diga que você me quer
Porque eu te quero também!
Passo as tardes pensando
Faço as pazes tentando
Te telefonar
Cartazes te procurando
Aeronaves seguem pousando
Sem você desembarcar
Pra eu te dar a mão nessa hora
Levar as malas pro fusca lá fora?
E eu vou guiando
Eu te espero, vem?
Siga onde vão meus pés
Porque eu te sigo também.
E eu te amo!
E eu berro: Vem!
Grita que você me quer
Que eu grito também!
Hei! Hei!?
*(E eu gosto dela
E ela gosta de mim
Eu penso nela
Será que isso não vai ter fim?)

Em Cartaz

Quando criança e adolescente, adorava ver os cartazes dos filmes, no Cine Lourimar, em Pau dos Ferros, e depois, nos Cines Pax, Caiçara e Cid, de Mossoró. Era a antevisão do que iríamos assistir, e eu me embebedava naquilo. A partir de hoje, postarei cartazes de grandes clássicos do cinema mundial, verdadeiras obras de arte, encimados por “Em Cartaz”, como forma de resgatar a memória cinematográfica. Cinéfilo ou não, espero que gostem.

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História

Não é minha esta casa, aí entrarei no entanto.
Quebrarei o portão, marcharei entre as flores,
Encherei meu pulmão com os estranhos odores
Do jardim adubado a sêmen, sangue e pranto.

Porei a porta abaixo, enfrentarei o espanto
Dos vultos me fitando; e apesar dos bolores
Envergarei sem medo os trajes de idas cores,
Nas suas mãos beberei, entoarei seu canto!

Com os corpos rolarei de milhões de mulheres
Sem corpo. Ei-los que já me saúdam e me aclamam,
Meus perdidos avós, desamparados seres.

Estendem-me suas mãos como a um filho que os salva.
Deles vim, mas é a mim que eles agora clamam
A vida, como a um pai, um sol sonhando na alva.


Alexei Bueno
, poeta carioca


Meninos, eu (ou)vi!





Fotos: Elilson Batista

Belíssimo Show de Vanessa da Matta, ontem. Simpática, carismática, a cantora e compositora matogrossense encantou o público, que tinha as letras da música na ponta da língua.

Respondendo ao jornalista e crítico alemão Günter Lorenz sobre a razão de, como diplomata brasileiro lotado em Hamburgo no período nazista, se arriscar para salvar judeus das mãos da Gestapo, Guimarães Rosa respondeu assim: “Eu, o homem do sertão, não posso presenciar injustiças. No sertão, num caso desses, imediatamente a gente saca o revólver”.

“Nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe”.
José Saramago

“Nós, os liberais e progressistas, sabemos que os pobres são iguais a nós em tudo, exceto nesta história de serem iguais”.

Lionel Trilling

A ousada busca pelo ser humano perfeito

Imagine que você volta a nascer daqui a dois mil anos! Para o gerar, os geneticistas manipulam os seus genes de modo a conceder-lhe o físico perfeito e a imortalidade. Já na fase adulta, chega o momento de ser inserido numa armadura inexpugnável e de ligar os nervos do seu corpo à Internet, de modo a conseguir manipular o seu avatar cibernético. Loucura? Desengane-se, pois tudo isto promete ser possível.


manipulacao genetica ciborgue

Manipulações genéticas e ciborgues. Na tentativa de alcançar a derradeira criatura humana os cientistas foram capazes de produzir, nos últimos dez anos, autênticos milagres. Estará a imortalidade cada vez mais perto ou será que, enquanto espécie, estaremos a chegar ao fim de um ciclo, em que perderemos aquilo que fisicamente nos torna humanos?
Em 2001, uma equipe de investigadores do Instituto para a Medicina e Ciência Reprodutiva de Nova Jersey, nos EUA, anunciou o nascimento dos primeiros bebês geneticamente manipulados. O “truque” consistiu em usar parte do conteúdo do óvulo de uma dadora e transferi-lo para o óvulo de uma mulher infértil. Esta conseguiu dar à luz um bebê, mas a criança passava a ter um pai e duas mães. O caso fez erguer o sobrolho a muitos religiosos conservadores.
Atualmente, existem técnicas para detectar doenças hereditárias e assim escolher os embriões saudáveis que vão ser inseminados no óvulo. Quer isto dizer que os pais poderão ter a possibilidade de escolher determinadas características para os filhos.
Alto, forte, olhos claros e cabelo louro. Muitos cientistas temem que, no futuro, estas características possam vir a integrar o menu que vai desenhar geneticamente um bebê, tal e qual como se estivéssemos a criar uma personagem no jogo “The Sims”.


manipulacao genetica ciborgue

Para aqueles que já nasceram, daqui a alguns anos poderá ser possível transformá-los em alguém semelhante ao Incrível Hulk. Não é caso para desdenhar, pois em 2004 foi documentado o estranho caso de um bebê alemão portador de uma mutação genética que lhe dava um crescimento muscular acima do normal. Com apenas quatro anos de idade, o hercúleo petiz era capaz de esticar os braços na vertical enquanto segurava pesos com mais de três quilos.
O segredo está num determinado gene, responsável por bloquear a produção de uma proteína (a miostatina) que restringe o crescimento muscular nos humanos. Afinal, não eram só os animais como o Belgian Blue – uma raça de gado bovino –, que sofriam dessa bizarra, mas curiosa mutação.
A descoberta abriu caminho à investigação de terapias capazes de “silenciar” a proteína nos humanos, deixando que os músculos se tornem robustos. O objetivo é ajudar quem sofre de distrofia muscular, uma das doenças genéticas mais comuns no mundo, ou seja, com potencial para gerar grandes lucros à indústria farmacêutica. Só que os primeiros a mostrarem-se interessados num possível medicamento para humanos foram os atletas de alta competição mais “impacientes”. Outra dor de cabeça para quem combate o doping no desporto.
Mas será que pode surgir uma mutação que nos permita viver para sempre? Acontece que ela já foi descoberta em 2008, não em humanos… mas num verme – mais precisamente, no C. elegans. Alguns espécimes mutantes da criatura em causa estão dotados de um programa genético que permite a todas as suas células viver mais tempo e resistir melhor ao stress. Compreender, na totalidade, como funciona este processo será meio caminho para obter o tão desejado Elixir da Eterna Juventude.

O fim da raça humana?
E será que caminhamos para um futuro em que seremos feitos de fios, chapa e silício? Eis que, bem ao gosto da ficção científica, os ciborgues (humanos com partes orgânicas e mecânicas, ou melhor dizendo, organismos cibernéticos) começam a invadir o mundo real.
Em 2009 foram inseridos microchips no cérebro de um macaco, o que lhe possibilitou manobrar um braço artificial para se alimentar. O próximo passo da equipe que fez a experiência consiste em usar implantes semelhantes que permitam às pessoas falar através de um computador. Um dia, comunicar com a ajuda da nossa boca poderá ficar fora de moda.
Entretanto, os militares já se renderam às potencialidades de um homem-máquina. Uma das experiências mais promissoras é um esqueleto artificial externo ao corpo – um exoesqueleto –, que permite a qualquer pessoa manobrar potentes músculos robóticos. Os primeiros protótipos surgiram com o objetivo de carregar grandes pesos em terrenos irregulares, mas já se pensa em criar super-soldados capazes de enfrentar com músculos de aço as tropas inimigas, bem ao jeito do mítico herói da Marvel, o Iron Man.
Verdadeiramente revolucionário foi o cientista britânico Kevin Warwick, que em 2002 deixou uma equipa de cirurgiões ligar os nervos do seu braço a um computador conectado à Internet. Como resultado, enquanto estava em Nova Iorque conseguiu mexer uma mão robótica que se encontrava a cinco mil quilômetros de distância, no Reino Unido. Tal como o próprio afirmou, “o corpo estendeu-se efetivamente pela Internet”. Um cenário digno de fazer parte do filme “The Matrix”.
O problema com todos estes cenários é que muitos cientistas estão a prever o desaparecimento das características que nos definem como humanos. Seria o fim da nossa espécie, tal como a conhecemos, e o nascer de uma outra.


manipulacao genetica ciborgue

No entanto, há que ver o lado positivo. Segundo alguns investigadores da NASA, daqui a milhares de milhões de anos, quando a Terra se tornar inóspita e o Sol estiver a morrer, a solução para não acabarmos extintos como os dinossauros estará na nossa transmutação em organismos cibernéticos. Deste modo, conseguiremos viajar pelas estrelas e sobreviver nos lugares mais remotos e hostis do Universo.

João Lobato, in obviousmag.org

Fejer

Digitalização do poema concreto de Augusto de Campos

“Se há muito riso quando um partido sobe, também há muita lágrima do outro que desce, e do riso e da lágrima se faz o primeiro dia da situação, como no gênesis”.
Machado de Assis, in Esaú e Jacó
  

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Tareco e mariola


Eu não preciso de você
O mundo é grande e o destino me espera
Não é você quem vai me dar na primavera
As flores lindas que eu sonhei no meu verão
Eu não preciso de você
Já fiz de tudo pra mudar meu endereço
Já revirei a minha vida pelo avesso
Juro por Deus não encontrei você mais não
Cartas na mesa
O jogador conhece o jogo pela regra
Não sabes tu eu já tirei leite de pedra
Só pra te ver sorrir pra mim não chorar
Você foi longe
Me machucando provocou a minha ira
Só que eu nasci entre o velame e a macambira
Quem é você pra derramar meu mungunzá
Eu me criei
Ouvindo o toque do martelo na poeira
Ninguem melhor que mestre Osvaldo na madeira
Com sua arte criou muito mais de dez
Eu me criei
Matando a fome com tareco e mariola
fazendo versos dedilhados na viola
Por entre os becos do meu velho Vassoural.

Composição: Petrúcio Amorim

OaKoaAk: arte urbana vinda da França

Pegando em temas quotidianos como Chuck Norris, Susan Boyle, Calvin e Hobbes, Wally e Sonic, OaKoAk é um artista urbano francês que se destaca pelas suas imagens joviais e pelo humor simples. Vandalismo ou reclamação do espaço público? Seja como for, há muito que a arte urbana deixou de ser um tema marginal da cultura popular.

arte, cidade, grafitti, oakoak, urbana

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A obra completa de Machado de Assis para download

Uma parceria entre o portal Domínio Público e o Núcleo de Pesquisa em Informática, Literatura e Linguística, da Universidade Federal de Santa Catarina, sistematizou, revisou e disponibilizou on-line a Coleção Digital Machado de Assis, reunindo a obra completa do autor para download. Além dos romances, “Ressurreição” (1872), “A Mão e a Luva” (1874), “Helena” (1876), “Iaiá Garcia” (1878), “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), “Casa Velha” (1885), “Quincas Borba” (1891), “Dom Casmurro” (1899), “Esaú e Jacó” (1904) e “Memorial de Aires” (1908),  a coleção engloba sua obra em conto, poesia, crônica, teatro, crítica e tradução. O projeto, que foi criado em 2008, também disponibiliza teses, dissertações e estudos críticos, e traz um vídeo sobre a vida do autor e sobre o contexto histórico em que ele viveu. Para acessar: http://machado.mec.gov.br.

“Aquele que acreditar que o dinheiro fará tudo pode bem ser suspeito de fazer tudo por dinheiro”.
Benjamin Franklin

Tentação

Ela estava com soluço. E como se não bastasse a claridade das duas horas, ela era ruiva.
Na rua vazia as pedras vibravam de calor - a cabeça da menina flamejava. Sentada nos degraus de sua casa, ela suportava. Ninguém na rua, só uma pessoa esperando inutilmente no ponto do bonde. E como se não bastasse seu olhar submisso e paciente, o soluço a interrompia de momento a momento, abalando o queixo que se apoiava conformado na mão. Que fazer de uma menina ruiva com soluço? Olhamo-nos sem palavras, desalento contra desalento. Na rua deserta nenhum sinal de bonde. Numa terra de morenos, ser ruivo era uma revolta involuntária. Que importava se num dia futuro sua marca ia fazê-la erguer insolente uma cabeça de mulher? Por enquanto ela estava sentada num degrau faiscante da porta, às duas horas. O que a salvava era uma bolsa velha de senhora, com alça partida. Segurava-a com um amor conjugal já habituado, apertando-a contra os joelhos.
Foi quando se aproximou a sua outra metade neste mundo, um irmão em Grajaú. A possibilidade de comunicação surgiu no ângulo quente da esquina, acompanhando uma senhora, e encarnada na figura de um cão. Era um basset lindo e miserável, doce sob a sua fatalidade. Era um basset ruivo.
Lá vinha ele trotando, à frente de sua dona, arrastando seu comprimento. Desprevenido, acostumado, cachorro.
A menina abriu os olhos pasmada. Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. Sua língua vibrava. Ambos se olhavam.
Entre tantos seres que estão prontos para se tornarem donos de outro ser, lá estava a menina que viera ao mundo para ter aquele cachorro. Ele fremia suavemente, sem latir. Ela olhava-o sob os cabelos, fascinada, séria. Quanto tempo se passava? Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo.
Os pêlos de ambos eram curtos, vermelhos.
Que foi que se disseram? Não se sabe. Sabe-se apenas que se comunicaram rapidamente, pois não havia tempo. Sabe-se também que sem falar eles se pediam. Pediam-se com urgência, com encabulamento, surpreendidos.
No meio de tanta vaga impossibilidade e de tanto sol, ali estava a solução para a criança vermelha. E no meio de tantas ruas a serem trotadas, de tantos cães maiores, de tantos esgotos secos - lá estava uma menina, como se fora carne de sua ruiva carne. Eles se fitavam profundos, entregues, ausentes de Grajaú. Mais um instante e o suspenso sonho se quebraria, cedendo talvez à gravidade com que se pediam.
Mas ambos eram comprometidos.
Ela com sua infância impossível, o centro da inocência que só se abriria quando ela fosse uma mulher. Ele, com sua natureza aprisionada.
A dona esperava impaciente sob o guarda-sol. O basset ruivo afinal despregou-se da menina e saiu sonâmbulo. Ela ficou espantada, com o acontecimento nas mãos, numa mudez que nem pai nem mãe compreenderiam. Acompanhou-o com olhos pretos que mal acreditavam, debruçada sobre a bolsa e os joelhos, até vê-la dobrar a outra esquina.
Mas ele foi mais forte que ela. Nem uma só vez olhou para trás.

Clarice Lispector, in A legião estrangeira

“É preferível variar de erro a insistir no erro”.
   Carlos Drummond de Andrade
  

Grande Hotel*


*Composição de Chico Buarque e Wilson das Neves

“A melhor maneira de começar uma amizade é com uma boa gargalhada. De terminar com ela, também”.
  Oscar Wilde
  

Esta é a Forma Fêmea

Esta é a forma fêmea:
dos pés à cabeça dela exala um halo divino,
ela atrai com ardente
e irrecusável poder de atração,
eu me sinto sugado pelo seu respirar
como se eu não fosse mais
que um indefeso vapor
e, a não ser ela e eu, tudo se põe de lado
— artes, letras, tempos, religiões,
o que na terra é sólido e visível,
e o que do céu se esperava
e do inferno se temia,
tudo termina:
estranhos filamentos e renovos
incontroláveis vêm à tona dela,
e a ação correspondente
é igualmente incontrolável;
cabelos, peitos, quadris,
curvas de pernas, displicentes mãos caindo
todas difusas, e as minhas também difusas,
maré de influxo e influxo de maré,
carne de amor a inturgescer de dor
deliciosamente,
inesgotáveis jatos límpidos de amor
quentes e enormes, trêmula geléia
de amor, alucinado
sopro e sumo em delírio;
noite de amor de noivo
certa e maciamente laborando
no amanhecer prostrado,
a ondular para o presto e proveitoso dia,
perdida na separação do dia
de carne doce e envolvente.

Eis o núcleo — depois vem a criança
nascida de mulher,
vem o homem nascido de mulher;
eis o banho de origem,
a emergência do pequeno e do grande,
e de novo a saída.

Não se envergonhem, mulheres:
é de vocês o privilégio de conterem
os outros e darem saída aos outros
— vocês são os portões do corpo
e são os portões da alma.

A fêmea contém todas
as qualidades e a graça de as temperar,
está no lugar dela e movimenta-se
em perfeito equilíbrio,
ela é todas as coisas devidamente veladas,
é ao mesmo tempo passiva e ativa,
e está no mundo para dar ao mundo
tanto filhos como filhas,
tanto filhas como filhos.
Assim como na Natureza eu vejo
minha alma refletida,
assim como através de um nevoeiro,
eu vejo Uma de indizível plenitude
e beleza e saúde,
com a cabeça inclinada e os braços
cruzados sobre o peito
— a Fêmea eu vejo.

Walt Whitman, in "Leaves of Grass"
“O caminho certo passa sobre uma corda esticada pouco acima do chão. Parece antes destinado a fazer com que as pessoas tropecem do que levá-las a bom fim”.
  Franz Kafka
  

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A tela mais cara do mundo!

N° 5, de Jackson Pollock, de 1948, é a tela mais cara de todos os tempos, vendida em 2006 por 140  milhões de dólares.

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

Manoel de Barros

“Um júri é um grupo de pessoas escolhidas para decidir quem tem o melhor advogado”.
Robert Frost

Enterrem meu coração na curva do rio - Apresentação

Nos velhos tempos em que o mocinho ganhava do bandido e casava com a mocinha, ninguém era mais bandido que o índio. Quando os pacíficos colonos vinham falando de uma nova terra prometida, a câmara ia para os altos das escarpas próximas e era inevitável: lá estavam as silhuetas odiadas. Confusão. Berros. O mocinho dava as ordens, os carroções ficavam em círculo. Corte. Um índio velho, cheio de penas, dava um berro ou agitava uma lança. Lá ia o bando de gente pintada berrando. Corte. O mocinho, fazendo careta, dizia para o idiota ao lado que não devia atirar. "Espere. Temos pouca munição”. Lá vinham os índios, o mocinho dizia "agora" e começava a cair gente pintada do cavalo. Mas a pouca munição provocava caretas desesperadas no mocinho, cercado de gente ferida. Até o idiota estava ferido. Quando a mocinha (que estava carregando os rifles) dizia que era a última carga, soava o clarim salvador da Cavalaria e milhões de Casacos Azuis encurralavam um punhado de índios, acabando com todos. Beijo final. The End.
Mas, e a verdade? Enterrem meu Coração na Curva do Rio (Bury My Heart at Wounded Knee), o best-seller de Dee Brown, conta o outro lado da história, é uma História índia do Oeste Americano. Os mocinhos, de repente, não têm a pele branca. Pelo menos, a maioria. Têm nomes que, nos filmes, eram perseguidos por bandos comandados por John Wayne, Henry Fonda ou James Stewart: Cochise, Gerônimo, Nuvem Vermelha, Cavalo Doido, Victorio, Touro Sentado, Gralha...
A tal gente pintada que berrava é um povo altivo, nobre, com uma cultura própria, que só entra em guerra defendendo o direito de viver nas terras que sempre foram suas. Contra eles, um dos maiores exércitos da época, armado com as últimas descobertas da tecnologia bélica para enfrentar mosquetões obsoletos e arcos e flechas.
Os brancos guardam a memória dos massacres Fetterman e de LittIe Big Horn, onde morreu o General Custer. Ficou relegado aos livros especializados e aos documentos de acesso difícil o grande número de massacres de aldeias índias, com morte a sangue-frio de velhos, mulheres e crianças. Massacres que, comparados a My Lai, são como um filme de Sam Peckinpah ao lado de um desenho de Walt Disney.
Dee Brown, nesta sua obra que veio na hora certa, quando a consciência do povo norte-americano estava sendo incomodada pela guerra vietnamita e pela questão racial, conseguiu mostrar, em primeiro lugar, a grande tragédia do índio, uma minoria incômoda para a expressão desenvolvimentista de uma nação em progresso, que precisava de terras para ampliar seu território, para fazer estradas e colonizar o interior.
O resultado foi fulgurante. Após Enterrem meu Coração na Curva do Rio, a opinião pública se voltou para o índio. Uma avalanche de livros e filmes ("Pequeno Grande Homem" e "Seven Arrows", por exemplo) realizou a tardia revisão histórica da "epopéia" da conquista do Oeste.
O livro de Dee Brown chegou as listas de best-sellers e passou mais de um ano sacudindo consciências e revelando uma face triste da formação dos Estados Unidos, reabilitando os pobres sub-humanos mostrados pelo cinema e televisão de grande consumo.
Revela outro aspecto importante dessas décadas impiedosas: o papel do homem branco como agente poluidor da natureza exuberante da região habitada pelos índios. Os brancos introduziram a fumaça dos trens, o uísque, as doenças infecciosas e acabaram com as florestas e a vida selvagem. 

A um poeta

Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
Do esforço; e trama viva se construa
De tal modo, que a imagem fique nua,
Rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
Do mestre. E, natural, o efeito agrade,
Sem lembrar os andaimes do edifício.

Porque a Beleza, gêmea da Verdade,
Arte pura, inimiga do artifício,
É a força e a graça na simplicidade.

Olavo Bilac

domingo, 25 de setembro de 2011

“A ignorância é uma erva daninha que os ditadores cultivam, mas que a democracia não pode sustentar entre seus cidadãos”.
William Henry Beveridge

Quase nada 124

Quase Nada 124
Tira de Fábio Moon e Gabriel Bá, in 10paezinhos.com.br

Blusa fátua

Costurarei calças pretas
com o veludo da minha garganta
e uma blusa amarela com três metros de poente.
pela Niévski do mundo, como criança grande,
andarei, donjuan, com ar de dândi.

Que a terra gema em sua mole indolência:
"Não viole o verde das minhas primaveras!"
Mostrando os dentes, rirei ao sol com insolência:
"No asfalto liso hei de rolar as rimas veras!"

Não sei se é porque o céu é azul celeste
e a terra, amante, me estende as mãos ardentes
que eu faço versos alegres como marionetes
e afiados e precisos como palitar dentes!

Fêmeas, gamadas em minha carne, e esta
garota que me olha com amor de gêmea,
cubram-me de sorrisos, que eu, poeta,
com flores os bordarei na blusa cor de gema!

 Maiakóvski  (Tradução: Augusto de Campos) 

Publicado em 1937, Capitães da Areia é o sexto romance de Jorge Amado, um dos mais famosos e traduzidos escritores brasileiros do século 20. No prefácio ao livro, escreve o romancista que, com essa obra, encerra o ciclo de "os romances da Bahia".
A narrativa, de cunho realista, gira em torno das peripécias de um grupo de "meninos de rua" que sobrevive de furtos e pequenas trapaças. Por viverem em um trapiche velho e abandonado (uma espécie de armazém à beira do cais), os garotos do bando, liderados por Pedro Bala, são conhecidos pela má-fama de "capitães da areia". É lá, no trapiche abandonado, que Pedro Bala, órfão, (o pai foi morto à bala por liderar uma greve, daí a alcunha do garoto, enquanto a mãe tem o paradeiro desconhecido) se refugia com seu grupo. 
A história é conduzida em função dos destinos individuais de cada integrante do bando. Assim, Jorge Amado ilustra a marginalização definitiva de uns (por exemplo: Sem-Pernas e Volta Seca) e a desalienação de outros, como Professor, Pirulito e Pedro Bala. Este, tomando consciência das injustiças sociais, ao final do romance, torna-se líder (tal como o pai), lutando ao lado dos trabalhadores grevistas. Pirulito, devido à vocação, descrita desde o início do romance, torna-se frade capuchinho, justificando a incansável luta de padre José Pedro em resgatar aqueles jovens da marginalidade. Padre José Pedro é uma das poucas personagens adultas, juntamente com a mãe-de-santo Don'Aninha, a se aproximar do grupo marginalizado. 
Apresentação de algumas personagens
A personagem Pedro Bala é apresentada da seguinte forma pelo narrador: "É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus cinco anos. Hoje tem 15 anos. Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço. Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de todos os seus becos". Era loiro, 15 anos, tinha um talho no rosto, provocado por uma briga com o antigo chefe do bando, Raimundo, na disputa pela sua liderança. E, apesar de não participar de todas as cenas, Pedro Bala irá servir como linha condutora de toda a história, dando um caráter coesivo aos diversos quadros que são apresentados ao longo da narrativa.
O grupo liderado por Pedro Bala beirava o número de cem e era composto por:
João Grande, o "negro bom", nos dizeres do próprio Pedro Bala: "Engajou com 9 anos nos Capitães da Areia, quando o Caboclo ainda era o chefe e o grupo pouco conhecido, pois o Caboclo não gostava de se arriscar. Cedo João Grande se fez um dos chefes";
Volta Seca, que tinha ódio das autoridades e o desejo de se tornar cangaceiro (posteriormente integra-se ao grupo de Lampião, transformando-se em um frio e sanguinário assassino);
Professor, que recebe este apelido por gostar de ler e desenhar. Assim o narrador o apresenta: "João José, o Professor, desde o dia em que furtara um livro de histórias numa estante de uma casa da Barra, se tomara perito nestes furtos. Nunca, porém, vendia os livros, que ia empilhando num canto do trapiche, sob tijolos, para que os ratos não os roessem. Lia-os todos numa ânsia que era quase febre".
Gato, sujeito conquistador, vive entre as prostitutas, com seu jeito malandro atrai uma delas: Dalva; 
Sem-Pernas, garoto deficiente de uma perna, que serve de espião para o grupo. Fazia-se de órfão desamparado para ser acolhido pelas famílias e, assim, com a confiança destas, conhecia cada ponto estratégico de suas residências, retransmitindo tais informações ao grupo. É em uma dessas casas que Sem-Pernas é bem acolhido por um casal que perdera o filho pequeno. Nesse episódio a personagem vive um grande conflito: sente remorsos por ter de roubar aqueles que lhe acolheram com a um filho, ficando, dessa forma, divido entre passar as informações da casa para os companheiros e ser leal à família. Decide-se por manter-se fiel aos "capitães da areia";
Pirulito, "magro e muito alto, uma cara seca, meio amarelada, os olhos encovados e fundos, a boca rasgada e pouco risonha". Era o único do grupo que tinha vocação religiosa, embora pertencesse aos Capitães da Areia;
Dora, a única mulher do grupo, tinha quatorze anos, era muito simples, dócil e bonita. Representará para os Capitães da areia a figura da madre protetora, que dará colo, carinho e atenção, e também, a figura da irmã que para eles até então inexistia. Já para Pedro Bala, Dora será a "noiva" e a "esposa". Morre ardendo em febre e seu corpo é levado ao mar, onde será "sepultado" com a ajuda de padre José Pedro, que, mais uma vez indo contra a lei e a moral estabelecidas, decide ajudar os meninos do Trapiche. Dora será uma personagem de fundamental importância na construção da lógica do romance. Será por sua causa que Pedro Bala, apaixonado, iniciará sua transformação e tomada de consciência rumo à ação política e social. 

Trecho de resenha de Jorge Viana de Moraes, in UOL Educação (Pedagogia & Comunicação)

1001 álbuns para ouvir antes de morrer

O “1001 Álbuns” é um projeto audacioso. Seus criadores disponibilizaram 1001 álbuns de música para se ouvir on-line. Os discos do projeto são os mesmos do livro “1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer”. A seleção foi feita por 90 jornalistas e críticos, em 2006, e abrange a história da música de 1955 a 2005, de Frank Sinatra a Arcade Fire. Para acessar: http://bit.ly/5oluqk.

“O conhecimento é o processo de acumular dados; a sabedoria reside na sua simplificação”.
Martin Luther King

sábado, 24 de setembro de 2011

Por que eu sei que é Amor


Porque eu sei que é amor
Eu não peço nada em troca
Porque eu sei que é amor
Eu não peço nenhuma prova
Mesmo que você não esteja aqui
O amor está aqui
Agora
Mesmo que você tenha que partir
O amor não há de ir
Embora
Eu sei que é pra sempre
Enquanto durar
Eu peço somente
O que eu puder dar (2x)
Porque eu sei que é amor
Sei que cada palavra importa
Porque eu sei que é amor
Sei que só há uma resposta
Mesmo sem porquê eu te trago aqui
O amor está aqui
Comigo
Mesmo sem porquê eu te levo assim
O amor está em mim
Mais vivo
Eu sei que é pra sempre
Enquanto durar
Eu peço somente
O que eu puder dar (4x)
Porque eu sei que é amor (3x)

Composição: Sérgio Britto e Paulo Miklos

O acendedor de lampiões

Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!

Jorge de Lima